Jorge Manuel Lopes

A guitarra voadora de Wes Montgomery


Crítica de música, de Jorge Manuel Lopes.

O guitarrista americano Wes Montgomery viveu até aos 45 anos mas deixou um rasto profundo no modo como o seu instrumento se pode expressar numa forma de jazz que não cortou as pontes com a música popular.

Aprendeu a tocar sozinho, sob a influência de Charlie Christian, uma lenda da guitarra no jazz de vida ainda mais breve (sucumbiu à tuberculose em 1942, aos 25 anos), e passou duas décadas a adquirir espessura em clubes de Indianápolis. Uma longa rotina intervalada por uma passagem pela banda de outra lenda, o vibrafonista Lionel Hampton, algumas sessões de gravação para obra alheia e uma breve estadia na Costa Oeste com os irmãos Buddy, vibrafonista, e Monk, baixista.

Foi numa das noites de música ao vivo que, de passagem por Indianápolis, o saxofonista Cannonball Adderley, outro criador que nunca se esqueceu das virtudes progressistas e populares do jazz, percebeu que estava na hora de Wes sair da sombra. Chegado a Nova Iorque, o guitarrista encetou um percurso discográfico como líder no ano 1959 com “The Wes Montgomery Trio”. Com o correr da década de 1960 foi introduzindo secção de cordas nos álbuns, apertou os laços com o rhythm and blues, teve sucesso nas tabelas de vendas especializadas, ajudou a dar corpo ao perene híbrido soul jazz. O seu estilo de interpretação, o primado da melodia entregue com uma invulgar técnica de dedilhar as cordas com o polegar, é facilmente reconhecível e gerou seguidores, quer no estilo, quer no etos, com destaque para George Benson.

O airoso génio de Wes Montgomery, que um ataque cardíaco levou em 1968, é relembrado no álbum “The NDR Hamburg studio recordings”, editado pela Jazzline. A gravação, inédita, aconteceu a 30 de abril de 1965 nos estúdios de um canal televisivo alemão, com público, e Wes é acompanhado por um septeto de músicos quase todos europeus, com dois nomes mais conhecidos: o pianista franco-argelino Martial Solal e o saxofonista Ronnie Scott, já então proprietário do clube de jazz homónimo em Londres. Um ponto alto possível nesta obra de dinâmica e diálogo admiráveis reside em “Here’s that rainy day”, escrita por Jimmy Van Heusen, que possui a dança melódica e a leveza de um tema de Burt Bacharach. Encapsula algumas das características mais gratas da obra deixada por Wes Montgomery.