Jorge Manuel Lopes

A América dentro de um disco

Jorge Manuel Lopes, editor-adjunto da Cultura do Jornal de Notícias (Foto: Artur Machado/Global Imagens)

As escolhas musicais de Jorge Manuel Lopes.

À passagem do 50.º aniversário do lançamento original, chega aos ouvidos do Mundo uma edição revista e aumentada de “Stage fright”, o terceiro álbum de The Band. O coletivo, que agregava uma massa inaudita de talento e versatilidade, tanto vocalmente como no domínio instrumental (eles eram Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson, Richard Manuel e Robbie Robertson, cabendo a este último a grande maioria das composições nos álbuns da década de 1970), já tinha o nome gravado na história do rock devido a dois LP de assinalável sucesso e ainda mais vasta influência. Influência que não se desvaneceu em 2021, graças sobretudo aos registos “Music from Big Pink” (1968) e “The Band” (1969), e ao facto de terem sido a banda que amparou Bob Dylan na transição do folk para a era elétrica em meados dos anos 1960, numa colaboração que também deixou marcas de estúdio: “The basement tapes”, fruto de copiosas gravações realizadas em 1967 e lançadas oito anos depois.

Ao tempo da concretização de “Stage fright”, fraturas haviam brotado na coexistência dos cinco músicos, também alimentadas pelo uso crescente de drogas. E nem a logística ajudou: a ideia era gravar o disco com público na sala de espetáculos Woodstock Playhouse, mas a Câmara daquela localidade do estado de Nova Iorque não permitiu ajuntamentos, ainda escaldada com a invasão de hippies em 1969 que desconheciam que o festival de Woodstock tinha lugar numa quinta a quase 100 quilómetros. O registo aconteceu, então, num auditório vazio, a que se juntou uma relação farpada com um engenheiro de som de 22 anos chamado Todd Rundgren, que dali a nada começaria a marcar a música popular com uma genialidade imprevisível.

Apesar do contexto, “Stage fright” é um álbum vibrante, fluido, um cruzamento fascinante de múltiplas tradições musicais americanas. A reedição agora publicada (sob a supervisão de Robbie Robertson, tal como anteriores romagens ao arquivo de The Band) contém uma nova mistura e uma sequência diferente para as dez canções. Entre os extras brilha a grande altura a reprodução quase integral de um concerto no Royal Albert Hall, Londres, em junho de 1971 – som imaculado, harmonias vocais soberbas, canções intemporais.