Quando os pais não estão de acordo na educação dos filhos

Primeira situação. É hora de jantar, todos à mesa, e Rita, de 13 anos, pede aos pais para ir a uma festa de pijama sábado à noite em casa de uma amiga da escola. A mãe não hesita e diz que sim, o pai torce o nariz e comenta que não é propriamente uma boa ideia. A mãe argumenta que conhece os pais da amiga, que são pessoas de confiança, e que essa experiência ajudará a filha a integrar-se no grupo, a consolidar amizades.

O pai responde que ainda é muito cedo para Rita passar a noite fora de casa pela primeira vez. Sim ou não? Rita terá de esperar até que os pais cheguem a um consenso. E há duas possibilidades: ou esgrimem argumentos à mesa na presença da Rita ou explicam que têm de pensar melhor no assunto, que têm de conversar, e que depois comunicam a decisão.

Segunda situação. João, 15 anos, está no 10.º ano e quer mudar de área, de Humanidades para Ciências, e pede autorização aos pais. O pai concorda porque sempre defendeu que essa via traz mais saídas profissionais. A mãe tem dúvidas que assim seja, e a hipótese de perder um ano letivo é uma grande dor de cabeça. A decisão é difícil e o futuro exige uma resposta. Pai e mãe pedem tempo para trocarem ideias entre si.

Terceira situação. Maria, dez anos, quer ir de minissaia para a escola. Está calor. O pai não quer, a mãe não vê qual é o problema. Faltam poucos minutos para saírem de casa e a decisão tem de ser rápida. Um dos pais terá de ceder.

Quarta situação. Isabel tem 18 anos, acabou o 12.º ano e não quer continuar a estudar. Os pais são confrontados com essa vontade. O pai aceita, a mãe está contra. Das duas uma: ou conversam calmamente sobre o assunto ou entram num braço-de-ferro que pode durar demasiado tempo. Contrariar ou não contrariar a vontade da filha? Eis a questão.

“Se existirem braços-de-ferro não há negociação possível e são os filhos que acabam por encontrar estratégias para lidar com a ausência de harmonia – com mentiras e omissões, contando x a um pai e y ao outro”
Rute Agulhas
Psicóloga

Todos os dias, pais e mães têm de tomar decisões em relação à educação dos filhos. Quando há consensos, tudo bem. Quando há divergências, é mais complicado. O que fazer quando não existe acordo? Conversar em casal é prioritário, discutir não é uma boa estratégia.

Recentemente, o Papa Francisco aconselhou os pais a não entrarem em disputas na presença dos filhos, para evitar momentos de angústia aos mais novos. “Nunca discutam à frente das crianças”, disse numa cerimónia do batismo de 27 crianças na Capela Sistina, em Roma, admitindo porém que esses momentos mais tensos são normais da vida em comum.

A educação dos filhos é, na verdade, uma área do casal em que é natural haver divergências. Há valores e modelos educacionais que podem não ser coincidentes, heranças das respetivas famílias de origem, e que se querem transpor para os filhos. As discordâncias acontecem e são naturais nos pais com experiências e percursos de vida distintos.

Se essas divergências forem muito acentuadas, a situação não será benéfica para os filhos. “Tal como em outras áreas da vida conjugal, também nesta os pais devem encontrar formas de negociar as suas diferenças, com a necessidade de cedências mútuas, procurando uma resposta de compromisso mais equilibrada”, alerta Rute Agulhas, psicóloga e terapeuta familiar, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde.

As necessidades dos filhos devem ser o foco principal. Satisfazê-las é o objetivo maior e, por isso, as situações devem ser analisadas com objetividade e os modelos educativos adequados em torno de dois grandes eixos: sensibilidade, com os olhos postos nas crianças; e controlo, com definição de regras e limites ajustados a idades e contextos.

“Se existirem braços-de-ferro não há negociação possível e são os filhos que acabam por encontrar estratégias para lidar com a ausência de harmonia – com mentiras e omissões, contando x a um pai e y ao outro. Os pais devem conversar com calma, ouvindo o que o outro tem a dizer, quais os seus argumentos”, adianta Rute Agulhas.

Justificações em cima da mesa, é possível encontrar alternativas de resposta que podem ser mais do que a solução A ou B. “Muitas vezes existem alternativas intermédias que os pais não exploram ou equacionam, tão centrados que estão nas próprias perspetivas”, sublinha.

Desautorizar e manipular

Na educação das crianças, os pais podem ter olhares diferentes sobre o mesmo assunto, opiniões baseadas em receios pessoais ou mesmo projeções que possam estar a fazer para os mais novos. Conversar antes e depois explicar a decisão aos miúdos é a melhor opção. Por várias razões.

Rute Agulhas diz que “os filhos precisam de sentir que existe nos pais um denominador comum, embora possam também existir olhares um pouco diferentes sobre alguns aspetos”. À medida que crescem, as crianças também se apercebem destas divergências. “Se estas não forem conversadas e negociadas, os pais correm o risco de os filhos começarem a manipular, aproveitando-se da fragilidade dos pais.”

O pai concorda, a mãe discorda, e as opiniões entram em choque em frente aos filhos. “Para evitar esta desautorização os pais têm, necessariamente, de conversar previamente um com o outro. Se em conversa com o filho surgir algum tema imprevisto que gere opiniões diversas por parte de cada um dos pais, deve-se dizer de forma clara que os pais ainda precisam de pensar melhor naquele assunto e que não podem, no imediato, ter uma resposta final”, aconselha.

Nunca desautorizar o outro perante os filhos. Catarina Mexia, psicóloga e terapeuta familiar, defende que essa deve ser a regra número um, seja em que contexto for. “Exibir as fragilidades educativas perante os filhos, qualquer que seja a idade, permite que o adágio popular ‘dividir para reinar’ se torne verdade, com consequências menos positivas”, comenta. Se as discussões se tornam repetitivas, a família perde o foco e uma decisão que deve ser assertiva corre o risco de cair por terra. E não só. Os filhos percebem com quem é mais fácil fazer uma aliança sobre determinado assunto. Ou com o pai, ou com a mãe.

“Exibir as fragilidades educativas perante os filhos, qualquer que seja a idade, permite que o adágio popular ‘dividir para reinar’ se torne verdade, com consequências menos positivas”
Catarina Mexia
Terapeuta familiar

Sair com os amigos, dormir fora de casa, definir horários, tudo isto faz parte do crescimento, e o equilíbrio entre responsabilidade e autonomia é um constante desafio que põe à prova bastantes pais e em várias dimensões. “Muitas vezes não se trata apenas de questões de princípio, ou de valores, mas de medo pela perda de controlo sobre o bem mais precioso.” Os filhos.

E os pais não são todos iguais. Um pai mais disciplinador defende determinados princípios e antecipa certas consequências se a educação não seguir o caminho que traçou. Um pai mais descontraído tem também as suas ideias e valores e age à luz do que acredita.

Tem de haver cedências baseadas na confiança. “Primeiro na confiança daquilo que fomos capazes de ensinar aos nossos filhos e naquilo que eles foram capazes de assimilar. Por outro lado, na confiança na capacidade do outro em avaliar a situação e, resultado de uma conversa franca e honesta, de partilhar medos e convicções que permitam cedências de cada um dos pais”, refere Catarina Mexia.

E se não há consenso na decisão, tem de haver tréguas, ou seja, um acordo para que as coisas resultem. Um cede para que se chegue a alguma conclusão. “É importante dar feedback ao filho para que ele sinta que é entendido e que não está sozinho no seu caminho para a autonomia. Mostrar empatia não significa quebrar o acordo previamente estabelecido. Significa conversar com ele, ouvir e mostrar compreensão pelas suas necessidades, sem desautorizar o outro”, assinala a psicóloga. Essa flexibilidade dos dois lados do casal e essa proximidade entre pais e filhos podem despertar novas informações capazes de abrir outras perspetivas para lidar com determinadas questões.

Educar um filho é um exercício exigente, uma tarefa de todos os dias da vida de casal. Chegar a consensos nem sempre é fácil. Diana Alves, psicóloga e professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, faz notar que pai e mãe podem ter opiniões contrárias, e que é normal que assim seja, mas a decisão final não pode revelar essas diferenças.

“Os pais devem tentar organizar-se para que as suas orientações sejam consistentes.” O que for transmitido deve ser fruto de uma decisão conjunta. Daí a importância da conversa em casal. Os três “C” da comunicação, que deve ser calorosa, consistente e clara, são uma das componentes da parentalidade positiva. E aplicam-se neste caso. “Não confundir calorosa com dizer sempre que sim”, avisa.

Calorosa nos afetos, consistente na decisão, e clara para que não haja dúvidas, sobretudo na fase da pré-adolescência e adolescência. Um diálogo afinado e ajustado é crucial para uma decisão conjunta do casal. Mesmo quando as opiniões divergem e as visões não se encontram.