Rui Cardoso Martins

O banqueiro “stalker”

Ilustração: João Vasco Correia

Feliz, alegre, de monco caído, triste, mais triste, como se disse no tribunal. O balanço do desastre amoroso do banqueiro Jorge não é coisa para um relatório semestral, nem anual, o seu caso parece um plano de investimento que só a longo prazo revelará perdas e danos. Ou talvez tenha sido uma fase negra necessária ao renascimento. Ele estava no banco dos réus, os óculos de tímido a escorregarem-lhe do nariz, e até o fatinho à medida lhe caía mal enquanto a ex-namorada, a advogada Sofia, contava como ele a perseguira e insultara. E baixou os olhos quando o homem com quem a apanhou na cama relatou a agressão, e quando o irmão dela falou do estado de medo em que Sofia andava. A agressividade, a invasão de propriedade, o furto de objectos da casa, a “violência doméstica” do banqueiro Jorge.

Só ao ouvir os amigos lhe vi o coração roído, as esperanças infundadas. Tudo piorou quando, depois de umas férias no México, que o banqueiro Jorge tomou como futuro casamento, a advogada Sofia se meteu na cama com o chefe do seu escritório.

A primeira testemunha de Jorge foi, curiosamente, a sua chefe:

– Não cheguei a conhecer pessoalmente a namorada do Jorge. Apercebi-me a dada altura que estava a viver uma situação complicada. Vi claramente que não andava bem. Senti-me na obrigação, como sua amiga e como sua chefe também, de lhe dizer. Percebi que era uma pessoa apaixonadíssima. Um homem profundamente apaixonado, decidido a ter uma relação futura, casar com esta pessoa. Percebi que essa pessoa queria estar de outra maneira… Era uma relação que hoje era assumida e amanhã não era. “Jorge, livra-te disto!” Tinha uma percepção evidente de que ele estava a sofrer.

– Nunca se repercutiu no seu trabalho?

– Não, mas como o conheço pessoalmente, via que não tinha dormido, que estava…

– … de monco caído.

– De monco caído, exactamente, é uma boa descrição!

A seguir, o testemunho de um velho amigo de Jorge:

– Quase não consigo acreditar que isto aconteceu. Ele gostava mesmo da senhora. Claramente senti que ele tinha encontrado alguém de quem gostava e que tinha futuro. Eu próprio o incentivei, senti-o feliz. Uma relação com futuro e com pernas para andar. Depois fui sentindo que a relação ficou triste, triste, cada vez mais triste. O sentimento dele foi crescendo, mas não havia reciprocidade.

O advogado de Jorge contou, a meio das alegações, o pormenor mais duro desta comédia humana:

– Ela assumidamente teve um relacionamento de carácter sexual com o seu superior hierárquico, o doutor Gonçalo… O arguido, infelizmente, ouviu esse relacionamento, se calhar devia ter-se ido embora… mas as pessoas não são todas iguais.

O juiz, finalmente, lembrou o que Sofia disse:

– Em 2017, o arguido e a queixosa voltaram a ter relações sexuais, que a queixosa classificou “só como um encontro de natureza sexual”.

Isto é, o que Jorge tomara como futuro casamento, seria cama casual para ela.

– Pelo que entendemos que estávamos diante de duas pessoas com perspectivas de vida e de relacionamento completamente distintas. A queixosa sempre foi completamente independente do arguido a todos os níveis, funcional, habitacional, económica e, acima de tudo, emocional, saindo com quem queria, para onde queria e quando queria, sem que nada disto tenha sentido pejorativo. O arguido e a queixosa relacionaram-se amigável e amorosamente, chegando a passar férias juntos, mantendo relações sexuais, com interrupções e reconciliações, realidade que durou cerca de dois anos, mas que não nos permite concluir que estávamos, embora o arguido o acalentasse, perante uma relação típica de namoro.

Assim, não há crime de violência doméstica. O banqueiro Jorge foi condenado por “stalking”, perseguição, a 1 800 euros de multa ou 110 dias de prisão domiciliária. Saiu da sala o banqueiro Jorge, executivo amarrotado.

Roda a roda da fortuna, roda a roda do amor, virá a todos um infortúnio, a todos calhará um desamor.

 

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)