Texto de Sofia Marvão
Em janeiro de 2016, o Mundo presenciou o momento emotivo de Barack Obama, quando anunciou uma série de medidas para o combate à violência armada nos Estados Unidos. O ex-presidente americano derramou algumas lágrimas enquanto recordava as vítimas do massacre na Escola Primária de Sandy Hook, Connecticut, em dezembro de 2012.
A opinião pública no dia seguinte andou em redor de variantes de que “Obama é um homem bastante sensível”. O mesmo não foi proferido acerca de Theresa May, em maio último, quando renunciou ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido. Numa declaração repleta de emoção, a ex-líder do Partido Conservador não se conteve.
“O dia em que a ‘Dama de Ferro’ chorou”, podia ser lido na imprensa no rescaldo do acontecimento. Os vídeos das suas lágrimas foram divulgados pelo Mundo fora. “Uma mulher não pode chorar quando é primeira-ministra e renuncia”, comentaram bloggers.
Quando um homem chora em público é considerado uma pessoa querida, empática. O contrário acontece com a mulher: manifesta fraqueza ou algum desequilíbrio. Tais estereótipos estão relacionados com a teoria de que o sexo feminino é mais vulnerável e, talvez por essa razão, chore com mais frequência. Mas faz sentido pensar dessa forma ainda hoje?
António Melo, especialista em oftalmologia no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, descarta qualquer diferença física ou patológica.”Não existem diferenças significativas entre as glândulas lacrimais dos homens e das mulheres”, esclarece.
“A literatura confirma que as mulheres choram mais frequentemente do que os homens. Porém, o choro dos homens é mais intenso”, defende o psicólogo Armindo Freitas-Magalhães. O diretor do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, no Porto, explica à “Notícias Magazine” que as lágrimas representam um poder que se foi alterando ao longo da história, “desde o tempo em que chorar era demonstração de fraqueza, até aos dias de hoje, em que a tolerância perante as lágrimas chega ao ponto de se considerar que é um vestígio de verdade e de vantagem”.
“A literatura confirma que as mulheres choram mais frequentemente do que os homens. Porém, o choro dos homens é mais intenso”. (Armindo Freitas-Magalhães, psicólogo)
No seu livro “A Psicofisiologia do Choro: O Efeito das Lágrimas na Experiência Emocional”, Freitas-Magalhães conclui que os portugueses choram, em média, duas a três vezes por semana. “Mulheres e homens choram, a frequência e a intensidade é que variam”, defende. “À semelhança do sorriso, o choro também sofre o efeito das variáveis do género, idade e contexto social.”
Bebés e crianças não manifestam diferenças de género, quer na intensidade, quer na frequência das lágrimas, mas o cenário altera-se a partir da puberdade, “principalmente por uma diminuição do choro dos rapazes e pela menstruação das meninas”. Num questionário realizado a partir de 2004, e no qual participaram 2 322 portugueses de idades compreendidas entre os 18 e os 70 anos, as mulheres assumiram não terem vergonha de chorar em público, enquanto os homens se retraem e só o fazem em situações excecionais.
Ambos concordam que o choro possa ser provocado por razões externas, embora o sexo feminino considere que, por vezes, não tenha a capacidade de identificar os motivos. Ana Saltão, atriz e professora de teatro, consente esta ideia sugerindo o exemplo de uma mulher no período pré-menstrual. “Por experiência, digo que é capaz de chorar por tudo e por nada”, reforça. “Não tem que ver com ‘pieguice’ mas com descompensação hormonal.”
Por outro lado, Ana refuta a teoria de que as mulheres tendem a chorar mais do que os homens. “Penso ser um pensamento totalmente errado, visto o choro ser uma reação que tem que ver com a nossa vulnerabilidade a determinada situação, e essa não se mede em género”, sustenta. “Foi uma ideia imposta socialmente que levou o sexo masculino a reprimir essa emoção, o que não abonou em nada a seu favor.” Para a atriz, todos têm a necessidade de chorar, porque “é um alívio para a alma. Sabe e faz bem”.
Tirar emoções das gavetas
Há especialistas que declaram que chorar é uma característica exclusivamente humana, que obedece ao sistema nervoso simpático e parassimpático. Freitas-Magalhães lembra que, quando um bebé nasce, já possui capacidades comunicativas básicas que o levam a ser compreendido pelos pais. “A primeira expressão de um recém-nascido é o choro”, sublinha, “e é aperfeiçoado ao longo do ciclo vital” para que seja utilizado em situações de descarga emocional. Serve de exemplo o choro nos velórios.
As lágrimas são um poder comunicacional mas também de influência social. No entanto, ao contrário do que se pensa, “não surgem na construção e na exibição da emoção, mas no restabelecimento do equilíbrio que o organismo exige após a vivência emocional”. Ou seja, chorar ajuda a superar a tensão, a recuperar de um estado psicológico mais conturbado e influencia a conduta de intervenientes.
Numa formação teatral, Ana Saltão sugere aos alunos a entrada no “campo da memória”. E explica: “Costumo dizer-lhes que as emoções estão todas guardadas em pequenas gavetas dentro do nosso corpo e que, de vez em quando, só temos de abrir algumas”. Gavetas essas que não são mais, nem menos, do que memórias de vivências.
“Mais anos de vida, mais experiências emotivas, mais sensações vividas”, concretiza. Alguns atores manifestam facilidade em exteriorizar emoções, outros são mais contidos. Ainda assim, quando precisam de derramar algumas lágrimas, nem sempre têm a vida facilitada. “Não quer dizer que não estejam a sentir, apenas pode ser mais complicado atingir um estado de verosimilhança”, remata.