Cancros, sangue, inflamação. Os grandes inimigos do fígado

Texto de Sara Dias Oliveira

O fígado é um órgão complexo e tem centenas de funções. Filtra resíduos do sangue, produz proteínas e bílis para ser utilizada na digestão, metaboliza e excreta fármacos, entre outras missões importantes para o normal funcionamento do corpo. Uma coisa é certa: ninguém pode viver sem ele. O problema é quando não consegue cumprir em pleno as missões que lhe foram destinadas.

Nos últimos anos, foram diagnosticados cerca de 1400 novos casos de cancro do fígado no nosso país e estima-se que 50% dessas situações se relacionem com metástases provocadas por outros cancros ou se devam à contração de doenças como a hepatite B ou C. A taxa de mortalidade é alta. O cancro do fígado mata quase 1400 portugueses por ano.

“O fígado pode ser atacado de duas formas: através do sangue ou através de inflamação”, explica Filipe Veloso Gomes, médico radiologista de intervenção do Hospital Curry Cabral, em Lisboa. O fígado recebe grande parte do sangue do intestino e, por isso, é frequentemente afetado por metástases de um dos cancros mais comuns em homens e mulheres: o cancro colorretal ou cancro do intestino, a primeira causa de morte por cancro em Portugal. “As metástases são cancros que se alojaram num local distante da sua origem, o que pode acontecer no fígado, na presença de cancros em outros órgãos”, adianta.

Por outro lado, a inflamação do fígado, que pode levar à cirrose, pode ter várias causas: o vírus da hepatite C, o consumo excessivo de álcool, a síndrome metabólica associada à diabetes e obesidade. Esta inflamação aumenta o risco de cancro no próprio fígado, os chamados tumores primários. “Em todos estes casos, desde que os tumores sejam detetados numa fase suficientemente precoce, o objetivo é alcançar a cura, através de cirurgia ou de termoablação, em conjunto com os tratamentos sistémicos mais adequados de quimioterapia, hormonais e imunológicos”, diz o especialista.

“O fígado é único e insubstituível por qualquer máquina, ao contrário do rim, que pode ser substituído totalmente por uma máquina de hemodiálise”

O cancro, esse crescimento de células anormais que podem formar um tumor e mais tarde espalhar-se por todo o corpo, é uma situação grave. Filipe Veloso Gomes refere que “no caso dos tumores do fígado, quer tumores primários quer metástases, o cancro pode ser fatal porque o fígado é único e insubstituível por qualquer máquina, ao contrário do rim, que pode ser substituído totalmente por uma máquina de hemodiálise, ou até do coração, que pode ser substituído temporariamente por dispositivos que mantêm a circulação do sangue.”

Apenas um transplante de fígado pode substituir um fígado não funcional. No entanto, segundo o médico, “o transplante está reservado a um número pequeno de pacientes com cancro, quer pela disponibilidade limitada de órgãos para transplante, quer pelos critérios restritos a que estão sujeitos os doentes com cancro para poderem sequer ser candidatos a este tratamento”.

Na ablação térmica, o doente não é sujeito a anestesia geral. É uma técnica com menos custos para os hospitais, o investimento em materiais é mais baixo

A ablação térmica, ou termoablação, é um tratamento inovador no cancro do fígado, minimamente invasivo, guiado por ecografia, TAC (tomografia computorizada) ou ressonância magnética, com elevada eficácia e poucas complicações. “Tira partido de novas tecnologias que permitem o tratamento do cancro através de ação direta sobre o tumor, causando a morte das células cancerígenas que o constituem, por meio de uma agulha, colocada através da pele, produzindo frio ou calor”. Atualmente, a técnica mais utilizada no fígado é a produção de calor através de micro-ondas, transmitido pela agulha de ablação.

“A termoablação recorre às mais modernas técnicas de imagem, que permitem guiar a agulha até ao tumor com enorme precisão, garantindo que todo o tumor é destruído pelo tratamento. A constante evolução tecnológica tornou possível tratar tumores maiores e com maior rapidez através da ablação térmica, que é hoje uma opção em cada vez mais doentes com cancro”, sublinha.

É utilizada de forma complementar ou alternativa à cirurgia depois de uma avaliação técnica apurada feita por uma equipa médica multidisciplinar. “A outra grande virtude da ablação térmica no tratamento do cancro do fígado e de outros órgãos é o facto de ser curativa, tal como a cirurgia, quando os tumores são de pequenas dimensões.” Além disso, a ablação térmica pode ser a única opção em doentes que são maus candidatos a cirurgia por terem outras doenças, ou pacientes cuja cirurgia possa ser demasiado complexa pela localização do tumor no fígado, ou até pacientes que recusem uma cirurgia.