A morte dentro do útero

Texto de Sara Dias Oliveira

Um feto está numa situação de restrição de crescimento quando a sua estimativa de peso está abaixo do percentil 10 para a idade gestacional. A maioria dos casos é de causa placentária, isto é, provocados por um mau funcionamento da placenta. Nesses casos, o fluxo de sangue da mãe para o feto é comprometido, recebe pouco oxigénio e nutrientes, cresce menos do que seria esperar. E isso acontece em 10 a 15% de todas as gestações.

Os bebés com restrição de crescimento fetal apresentam um risco aumentado de morte dentro do útero e os seus partos são, na maioria das vezes, programados prematuramente para tentar evitar esse perigo. A Maternidade Dr. Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, está debruçada sobre o assunto. Uma equipa médico-científica da maternidade, integrada no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, vai estudar a fundo o problema e a sua proposta venceu a 1.ª edição do Prémio MSD de Investigação em Saúde, promovido pela MSD (Merck Sharp & Dohme) Portugal, empresa farmacêutica. São dez mil euros para a implementação do projeto.

A restrição do crescimento fetal é a segunda principal causa de morte perinatal, está associada a 30% dos casos e é responsável por até 40% dos nascimentos prematuros induzidos

“Esta prematuridade está associada a importantes sequelas a curto prazo como défice visual e auditivo e patologia pulmonar. Além disso, a exposição in útero destes bebés a quantidades insuficientes de oxigénio e nutrientes leva a alterações que se manifestam a longo prazo como risco aumentado de hipertensão arterial, diabetes e outras doenças”, adianta a equipa liderada por Catarina Palma dos Reis, médica interna em Ginecologia/Obstetrícia da MAC. “As grávidas cujos fetos sofrem desta patologia têm ainda um risco elevado de vir a desenvolver pré-eclâmpsia, uma doença hipertensiva da gravidez que pode pôr em risco a vida da mãe e do feto”, acrescenta.

Cientificamente, a ideia é avaliar se a administração de heparina de baixo peso molecular, um agente anticoagulante, tem impacto no tratamento da restrição de crescimento fetal e, desta forma, contribuir para diminuir o risco de morte fetal, reduzir o número de nascimentos de bebés muito prematuros e, consequentemente, diminuir as complicações com impacto na saúde futura do bebé. A equipa da MAC vai então testar os efeitos da heparina em grávidas, sabendo que a heparina de baixo peso molecular não afeta o bem-estar das futuras mães e tem sido, aliás, sugerida como um possível agente terapêutico pelas propriedades anticoagulantes e anti-inflamatórias. Poderá ser o primeiro tratamento aprovado em Portugal para essa grave patologia.

A patologia reflete-se na falta de oxigénio e nutrientes para o feto e, neste momento, não tem tratamento

A equipa médica adianta que o estudo inicial de gestações complicadas por restrição de crescimento fetal inclui a pesquisa de infeções ou fatores modificáveis, como o tabaco, aumento ponderal insuficiente da grávida ou stresse laboral, que possam explicar a patologia. Nesse sentido, o tratamento da infeção, a suspensão dos hábitos tabágicos, o repouso laboral da mãe ou a introdução de alterações no seu regime alimentar poderão ser benéficos.

“No entanto, na maioria dos casos não se verifica a presença de fatores modificáveis, ou a sua correção não é suficiente para melhorar o quadro clínico. Nestes casos, não existe até à data qualquer tratamento aprovado, e a conduta nestas gestações é limitada à vigilância do bem-estar materno e fetal através de ecografia e análises. Quando existe agravamento fetal, com risco iminente de morte in útero, ou descompensação materna por patologia hipertensiva, está indicada a programação do parto (dependente da idade gestacional)”, sublinha. E a decisão do melhor momento para nascer resulta de um balanço entre o risco de morte fetal e os problemas associados à prematuridade. É, portanto, um enorme desafio clínico.