Na verdade, não queremos saber

Notícias Magazine

Pedro Passos Coelho tinha sido eleito primeiro‑ministro, o FC Porto carregava o escudo de campeão nacional, Durão Barroso liderava a Comissão Europeia, Bin Laden acabara de ser morto pelos Estados Unidos.

Em sete anos muito muda no mundo. Hoje está Costa na frente do governo, o Porto luta para impedir o penta benfiquista, Durão Barroso mudou‑se para a Goldman Sachs e Trump passou de estrela de reality show a presidente. O que não mudou? A guerra na Síria.

Tornou‑se um ritual tragicamente cínico. Primeiro chegam alertas de ataques bárbaros à população síria – atrocidades humanitárias, bombardeamentos ou ataques com armas químicas, vale tudo. Seguem‑se as declarações dos responsáveis políticos. E depois? Nada muda.

Esta semana cumpriu‑se o ritual. Primeiro foi noticiado um ataque com armas químicas, depois chegou a declaração das Nações Unidas e as reações surpreendidas dos principais líderes europeus – de Inglaterra, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, admitiu «ponderar seriamente» uma intervenção militar; Angela Merkel e Emmanuel Macron preferiram apelar para que a Rússia exercesse «pressão máxima» sob o regime de Al Assad. E Putin? Aceitou o repto e anunciou um novo cessar ‑fogo. Depois? Nada, além das habituais notícias de desrespeito ao cessar‑fogo.

Em 1982, Bashar Al‑Assad preparava‑se para trocar o liceu pela universidade em Damasco quando os Iron Maiden lançaram The Number of the Beast. Nessa altura, nem o mundo imaginava que Al‑Assad chegaria a presidente nem os roqueiros conheciam Bruce Dickinson, o senhor que cantou Run to the Hills.

O single, o primeiro da banda a chegar ao top 10 britânico, contava a história da chegada dos colonos aos Estados Unidos, o «homem branco do outro lado do mar» que levara «dor e miséria» e matara «tribos e credos». Do outro lado, respondeu‑se com «uma luta dura», «um inferno», uma história com «mulheres violadas e homens assassinados» que acabou com índios «domados» a vender uísque e outros, como diz o refrão, a «correr para as montanhas, a correr pelas suas vidas».

Na Síria o desfecho ameaça ser assustadoramente parecido. Nos últimos dez dias em Ghouta, região que Al Assad quer reconquistar aos rebeldes, os ataques que motivaram a reação internacional fizeram pelo menos 521 vítimas mortais. O melhor é que os sobreviventes corram pelas suas vidas porque nós, na verdade, não estamos muito preocupados com isso.

THE NUMBER OF THE BEAST (1982)
Iron Maiden
8 euros

A MINHA ESCOLHA

DEIXEM O DISCO EM PAZ

2004, disco homónimo de estreia e um tiro certeiro – Take Me Out. Um ano depois, em You Could Have It So Much Better, mais dois tiros certeiros – Do You Want To e Walk Away. Mesmo em 2009 e já com o estatuto de estrelas de rock, ao terceiro disco os Franz Ferdinand ainda mostravam pontaria afinada – com o single Ulysses voltaram a fazer o mundo dançar.

No final da primeira década dos anos 2000, a banda de Alex Kapranos parecia imparável. Não é. Always Ascending não será um mau disco para quem gostar de disco. Menos o será para quem gostar de dar ao pé numa pista de dança. Os versos ficam no ouvido, os sintetizadores são contagiantes e não há uma batida fora de sítio. O problema? Também nada fica na memória, tudo soa ao mesmo e só escavando se encontram resquícios da banda que entrou no século como uma das mais refrescantes no que ao rock dizia respeito.

Se a qualidade da produção do disco não é criticável, o bom gosto da aposta na sonoridade
Disco – quanto mais não seja porque já nem soa a ideia original – é. O grande mérito do disco? A música é suficientemente boa para que nos lembremos dos velhos riffs de guitarra e voltemos aos primeiros discos da banda.

ALWAYS ASCENDING
Franz Ferdinand
Domino Records
14,99 euros