Esta crónica não vai aparecer no Facebook

Notícias Magazine

A meio dos anos 1960, os Big Brother and the Holding Company sonhavam com uma estreia em grande. Sam Andrew, James Gurley e David Getz ainda haveriam de lhe gozar o sucesso, mas ninguém imaginava o segredo que os elevaria a estrelas. Em letras tão garrafais como coloridas, no topo da capa, apenas o nome da banda, ao centro uma flor psicadélica. E o segredo ficava escondido.

Por estes dias, o Facebook voltou à ordem do dia. Depois da polémica gestão dos nossos feeds, de onde desapareceram as notícias, estoirou o escândalo do roubo de contas, de informações pessoais e a manipulação da rede em prol de nova causa política – depois da interferência de hackers russos nas presidenciais nos EUA, ficámos a saber que também para o brexit houve campanha nos bastidores da rede social.

Assustado com a manipulação? Talvez não tanto como qualquer jornalista cuja vida dependa de fazer chegar notícias aos leitores. Deste lado sabemos o que é lido, quando é lido e até a reação dos leitores aos nossos títulos.

Deste lado, sabe-se a verdade – e a verdade é que é mesmo a má informação que bate recordes de audiências e não a de qualidade, que tantos reclamam querer ler, mas que a maioria nunca abre.

Uns garantem que a culpa é do Facebook, outros culpam os jornalistas. E os leitores?
Ciente de que esta crónica não aparecerá no seu feed – o título teria de ser outro, «E se o Facebook fosse gerido por uma banda movida a LSD» – arrisco: não haverá responsabilidade em quem deixou de procurar notícias e se limita a esperar que a boa informação lhe chegue ao ecrã mais próximo, gratuita e pronta a ser consumida?

A mim não só me parece que sim como me lembra a história da Big Brother and The Holding Company. Tal como o Facebook, também acharam que o floreado da capa seria a melhor forma de chegar a um público maior e demoraram a perceber o que realmente interessava mostrar. Mas o público estava atento.

Na segunda edição acrescentaram, ainda que em letras pequenas, o nome da cantora, uma tal de Janis Joplin. Escusado dizer que no disco seguinte já o tamanho das letras se tinha invertido e que pouco depois a cantora passaria a brilhar sozinha.

Nem sempre o que realmente interessa nos entra pela porta adentro e não estar atento pode ter danos graves. Sejam eles ter o mundo entregue a loucos ou confundir a banda que descobriu Janis Joplin com apenas mais uma dos psicadélicos anos 1960.

BIG BROTHER AND THE HOLDING COMPANY
Sony
10,71 euros

A MINHA ESCOLHA

À ATENÇÃO DE QUEM GOSTA DE SOUL
É sabido que no topo das vítimas da revolução tecnológica dos últimos anos está a indústria musical. Do lado do consumidor mudou tudo, a forma como consumimos música, o que não pagamos por ela e também a diversidade a que temos acesso. Do lado dos artistas, encolheram as receitas, mudou a forma de distribuição, mas também aumentou a possibilidade de chegar a mais gente.

Mas fazer-se notar pode demorar e Durand Jones sabe disso. Há dois anos editou, digitalmente e sem qualquer apoio, o primeiro disco homónimo. Agora, ganhou o apoio da Dead Oceans e reeditou Durand Jones & The Indications, numa versão deluxe, a primeira com direito a edição física.

A voz, as guitarras, os metais e até os registos ao vivo fazem deste um dos discos imperdíveis para quem gosta de soul. Ainda que de forma, por enquanto, discreta, Durand Jones aparece bem a tempo de se colocar na lista de sucessores dos desaparecidos Charles Bradley e Sharon Jones.

A corrida em que Benjamin Booker e Leon Bridges levavam vantagem, a mesma em que Aloe Blacc chegou a ser dado como inevitável vencedor, acabou de ganhar um interesse renovado. Será ainda melhor de acompanhar.

DURAND JONES & THE INDICATIONS
Durand Jones & The Indications Dead Oceans
15,99 euros