Crianças surdas recolhem verbas para ajudar a curar a Grécia

Por Ana Tulha, enviada JN/Notícias Magazine a Mati

Noite de segunda-feira, 23 de julho. Por todo o Mundo, as televisões avançam com imagens desoladoras dos incêndios que varreram parte da Grécia (nesta terça-feira, o número de vítimas subiu para 93). A mais de 3300 quilómetros, na ilha de Wight, costa sul de Inglaterra, Thomas atira, preocupado: “Parece a rua em que vivemos, na Grécia.”

As imagens que vê são de Mati, vila costeira nos arredores de Atenas que foi o epicentro da tragédia grega. Thomas nunca lá viveu. Mas a frase tem a sua razão de ser. O menino de nove anos, com graves problemas de surdez, já lá foi muito feliz.

Tudo graças ao “The Saturday Club for Deaf Children” [em português, “o clube de sábado para crianças surdas”], um clube formado por Helen Foster, em 1976, com o intuito de ajudar crianças com problemas de surdez a desenvolver capacidades de comunicação, autoconfiança e autoestima. Todos usam aparelhos auditivos. Muitos têm mesmo implantes cocleares (dispositivos eletrónicos que ajudam a melhorar a sensação auditiva).

“Encontramo-nos duas vezes por mês, aos sábados, e promovemos uma série de atividades para proporcionar às crianças novas experiências, que as desafiem do ponto de vista físico, emocional e cultural. Desde fazer caiaque a passar um dia a trabalhar com uma associação de animais que tome conta de gatos feridos. Ou ir ao teatro, ver uma peça feita por atores profissionais”, explica, à Notícias Magazine, a fundadora do clube que, atualmente, tem perto de 40 dezenas de membros.

Além dos encontros aos sábados, o clube promove ainda umas férias anuais em… Mati. Helen explica: “Na nossa primeira viagem, levámos 16 membros do clube, entre os 15 e os 17 anos, e sentimo-nos tão bem recebidos que voltámos outra vez e outra vez e outra vez.” E assim se passaram 30 anos.

Tanto que, uma vez em Mati, os meninos do “The Saturday Club for Deaf Children” merecem o carinho de todos. “Conhecemos os habitantes e somos bem-vindos nas casas e nos jardins deles. Os funcionários da pizzaria e do supermercado, por exemplo, já sabem que os meninos são surdos e certificam-se sempre que falam para eles de forma cuidadosa e clara. E no hotel somos tratados como se fossemos da realeza”, explica Helen.

Mesmo que, para os meninos, a afetividade dos gregos se estranhe primeiro e se entranhe depois. “Sendo inglesas, as crianças demoram um bocado a sentir-se confortáveis com os beijinhos e os abraços que recebem enquanto estão em Mati, mas depois acho que, secretamente, acabam por gostar. O hotel [Hotel Mati, no centro da aldeia balnear] é, para muitos deles, uma segunda casa.”

Por isso, quando, na noite de segunda-feira, 23 de julho, as imagens de uma Mati devastada, começaram a surgir, Thomas não ficou indiferente.

“Ele viu o nome Mati continuamente a aparecer no ecrã e fez exatamente o mesmo que eu: passou horas a ver fotos e vídeos, a ver se reconhecia algum rosto. Primeiro, disseram-nos que o hotel tinha sido consumido pelo fogo. Depois, consegui falar com alguns dos amigos que temos na zona e pudemos dizer às crianças que eles estavam bem e que o hotel tinha resistido. Ficaram tão aliviados que muitos choraram de alegria”, conta Helen.

Enquanto isso, os pais dos meninos iam pensando em formas de ajudar. “Contactaram-me logo para dizer que tínhamos de fazer alguma coisa. Houve uma mãe que me disse: ‘Durante tantos anos, Mati deu segurança, amor e carinho às nossas crianças. Agora, é tempo de devolver esse amor’.”

Reunir verbas para ajudar os animais foi o primeiro pensamento, mas só até perceberem que Mati já se tinha enchido de voluntários para ajudar os amigos de quatro patas. Depois, Joanna Saripapazoglou, funcionária do Hotel Mati, avançou com outra ideia, imediatamente acolhida: angariar dinheiro para ajudar a plantar árvores.

“Se não reconstruirmos tudo e não voltarmos a fazer de Mati uma aldeia bonita outra vez, tudo à nossa volta vai morrer. E todos nós vamos perder o trabalho”, explicou, à Notícias Magazine, a funcionária da unidade hoteleira, que nos deu a conhecer a história dos meninos da Ilha de Wight.

A ideia foi imediatamente acolhida por Helen e pelos meninos. “Adorámos. Vai ajudar a restaurar o equilíbrio ecológico da área e a reciclar o dióxido de carbono. E assim todos os anos podemos visitar o nosso grupo de árvores e saber que ajudámos a curar Mati”, congratula-se a fundadora do clube.

Para angariar verbas, há já várias atividades planeadas: uma tarde grega, com comida típica do país (souvlakis, pittas, etc), pinturas faciais, castelos insufláveis e outras atividades para as pessoas desfrutarem.

“A todos os que participarem será cobrada uma taxa solidária, que depois enviaremos para Mati. Estamos confiantes que conseguimos juntar 500 euros, mas quanto mais melhor.”

Tudo para que Thomas e companhia possam voltar a ser felizes “na rua em que vivem”. Não na lha de Wight. Na Grécia.