Os movimentos que politicamente se chamam de efeito cascata – é mesmo assim que se chamam em teoria política – produzem muitas coisas boas, mas também algumas perniciosas. Chamam-se assim, de cascata, porque as pessoas sentem que à volta delas há mais gente na luta, o que de certa forma as acompanha e protege, e as leva a agir – enquanto que, se se sentirem sozinhas mais dificilmente o farão, não sem doses suplementares de coragem solitária.
É o que se passa neste momento com o #metoo. A base é boa, a luta é justa e necessária, e traz uma carga de decência ao espaço público. Ninguém no seu perfeito juízo, pelo menos nenhum homem, quererá ser associado aos comportamentos de um Weinstein ou outro dos homens poderosos acusados publicamente de assédio. E isto já é um bom e inovador princípio.
O problema é que quando se mexe em assuntos tão complexos como qualquer comportamento humano muito pouco pode ser visto de um ponto de vista simplista ou maniqueísta. Sobretudo tendo em conta que este movimento teve o seu início e expoente máximo nos EUA, um país com tão grandes tradições em lidar mal com o comportamento humano.
E já há quem esteja a levantar dúvidas sobre as consequências que um movimento tão avassalador possa ter, precisamente para o que pretendia de princípio defender: os direitos das mulheres.
A COO do Facebook, Sheryl Sandberg, campeã da igualdade e empoderamento feminino, publicou um artigo chamando a atenção para a arficialidade que pode provocar nas relações entre homens e mulheres – quando o que é preciso, segundo ela, que vem do mundo das “corporações” e empresas, é precisamente que os homens vejam as mulheres como suas iguais e as levem para o círculo do poder, até aqui maioritariamente masculino.
O mais recente episódio da saga tem como protagonista Monica Lewinsky. De vez em quando, a tristemente célebre estagiária da Casa Branca Clinton regressa para mais uma ronda de revelações estilo prova de vida.
Sim, podem acreditar. 20 anos, várias comissões do Congresso, umas quantas entrevistas e milhares de artigos de análise depois, eis que ainda há algumas coisas a saber sobre aqueles serões na sala oval dos quais pensávamos já saber todos os pormenores. Todos os microscópicos pormenores. Desta vez foi para escrever mais um artigo na Vanity Fair e associar-se ao movimento #metoo.
Na anterior ronda de entrevistas a agora quarentona tinha-se associado a outro movimento, que seria mais facilmente apelidado de #meaculpa. “Certo, o meu chefe usou-me, mas serei sempre firme neste ponto: foi uma relação consensual”, escreveu ela em 2014, num argumento claro que deveria impedir qualquer ligação ao que está em causa no #metoo.
Pois agora, noutro artigo também na Vanity Fair, Monica vem dizer que afinal, pensando no assunto aos 44 anos, e à luz dos argumentos recentes, talvez se possa associar, no sentido em que ela era uma jovem estagiária e ele o todo-poderoso chefe do mundo ocidental.
São estes argumentos que tornam a cascata #metoo tão perigosa. Pela minha parte, preferia a ideia da estagiária jovem e decidida a fazer o que lhe apetecia, mesmo perante o presidente dos EUA, do que a jovem fragilizada por ser mulher, subjugada pelo poder. Entre uma e outra imagem, não tenho dúvidas da que será a mais perigosa para a História das mulheres no mundo.