Doenças raras não costuma ser o tópico principal quando se fala de saúde. Fibrose quística talvez seja a patologia mais divulgada, uma vez que afeta milhares de portugueses mas, na verdade, existem entre 5.000 e 8.000 doenças raras diagnosticadas. Em Portugal, estima-se que 600 mil a 800 mil portugueses – 8 por cento da população – sofram de uma doença rara. Luísa Pereira, médica e diretora clínica da Casa dos Marcos, um projeto da RARÍSSIMAS – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, fala sobre esta realidade e de como um diagnóstico definitivo pode demorar mais de uma década.
Qual é a definição comum dada a uma doença rara?
Segundo a União Europeia, a definição de doença rara tem a ver sobretudo com a prevalência, ou seja, todas as doenças com uma proporção inferior a cinco para cada 10.000 pessoas são consideradas doenças raras.
A maior parte das doenças raras tem origem genética?
Sim, a maioria das doenças raras têm a ver com alterações que são definidas pelo nosso código genético, ou seja, resultam do facto de existirem pequenas mudanças no genoma que provocam modificações numa proteína ou outra substância a nível do organismo. Estas alterações fazem que haja posteriormente uma expressão ao nível da diferenciação das células. Estamos constantemente a encontrar novas mutações.
Tendo em conta o elevado número de doenças raras diagnosticadas é possível agrupá-las por grupos?
Há cerca de 5.000 a 8.000 doenças raras diagnosticadas. A nossa maneira de agrupá-las tem a ver com a sua expressão, por exemplo, doenças neurológicas raras ou doenças metabólicas. Algumas doenças podem ser agrupadas porque envolvem mecanismos celulares.
Quais são as maiores dificuldades de diagnóstico e tratamento destas doenças?
As maiores dificuldades prendem-se por serem raras e por não sabermos à partida quais os mecanismos subjacentes à doença. São precisos vários exames, vários estudos ao longo do tempo. Os avanços inovadores das análises e testes no campo biomolecular permitem-nos perceber mais facilmente qual a doença, mas realmente é muito difícil chegar a um diagnóstico baseado apenas no que o doente nos reporta.
Leva muito mais tempo…
Sim, leva mais tempo. Às vezes, uma a duas décadas. Nós temos doentes adultos que têm um delay de décadas até ao diagnóstico final ou mesmo aqueles que nunca chegam a tê-lo. Há alterações que são mesmo muito difíceis de identificar. Sabemos que há a doença, sabemos qual o mecanismo por detrás mas não temos identificação do motivo.
Concorda que há uma falta de informação generalizada sobre tipo de doenças?
É verdade que há essa falta de informação, não só do público em geral, mas mesmo entre profissionais de saúde. Exatamente por serem raras, acabam por ficar um pouco esquecidas dentro da medicina. São poucas as pessoas que se dedicam a estas áreas e portanto existe um conhecimento deficitário no campo. Depois também pelo fato de grande parte delas não ter um tratamento efetivo ou dirigido faz que o acompanhamento seja mais ingrato. De qualquer forma, não havendo uma terapêutica direcionada, existem muitas coisas que podemos proporcionar aos doentes, dar-lhe tratamento ao nível de sintomas que são muito debilitantes e que diminuem claramente a qualidade de vida e que nós com técnicas de reabilitação e de reinserção na sociedade podemos ir melhorando.
Pode explicar um pouco do trabalho levado a cabo na Casa dos Marcos?
A Casa dos Marcos é o maior projeto da Raríssimas, uma associação que trabalha com pessoas de várias idades com doenças raras e as respetivas famílias. Pretendemos que, no mesmo espaço, existam várias respostas integradas e que, para isso, haja soluções sociais e clínicas. Exemplos disso são o nosso lar residencial, as residências autónomas onde pretendemos que cada um tenha a sua vida e que vá ganhando autonomia. Temos também um centro de atividades ocupacionais que está aberto ao público e um centro de reabilitação porque realmente estes doentes necessitam de muito apoio neste sentido. E há uma unidade que funciona em parceria com a rede nacional de cuidados integrados.