Texto de Ana Pago | Foto de Diana Quintela/Global Imagens
Naquele novembro de 2003, Carla Silva aprendeu que os príncipes não chegam em cavalos brancos, nem têm de ser altos e espadaúdos. «Estava a trabalhar no departamento administrativo-financeiro da Dierre [uma empresa de portas blindadas], quando a minha colega das cobranças telefónicas entrou de baixa por gravidez e me deu a pasta», diz a atual chefe do departamento de gestão de clientes. José Grijó, então coordenador de obra que acompanhava os serviços, passou a reportar a Carla. Começaram a falar, primeiro dos clientes, mais tarde da vida. «Saíamos aos fins de semana, como amigos.» O novelo enredava-se. «Percebemos que nos entendíamos bem. Gostávamos da companhia um do outro.» Estão juntos há 13 anos. Eles e uma série de outros casais formados a partir de paixões no trabalho.
«Relacionamentos amorosos entre colegas são cada vez mais comuns», confirma a psicóloga e terapeuta sexual Cristina Mira Santos, avançando as razões que explicam esta realidade dos tempos modernos: passamos mais horas em ambiente laboral; conversamos menos fora desse contexto (redes sociais não contam); partilhamos êxitos, fracassos, estados de humor, o que nos permite conhecer bem os companheiros e, em muitos casos, fazer faísca. «Quando tal acontece é preciso sangue-frio para gerir a relação, porque na prática há dois papéis em causa – o de profissionais e o de parceiros – e não saltamos de um para o outro com a facilidade que gostaríamos», avisa. Por outro lado, também não existe a garantia de que casais que trabalhem separados deixem os problemas em casa. É tudo uma questão de bom senso e saber separar as águas.
«Ter maturidade é fundamental se namoramos alguém do trabalho», elogia a psicóloga Cristina Mira Santos, para quem esse é justamente o ponto que fará, ou não, a relação funcionar.
«Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque», garante Carla, reconhecida à chefia por apoiar os casais em geral, desde que eficientes e discretos. José assente: «Namoramos desde fevereiro de 2004, fomos viver juntos em 2005, casámos em fevereiro de 2015 e nunca houve stress, apesar de as funções que cada um ocupa poderem não convergir para o mesmo ponto de vista.» A situação é clara, lidam bem com ela. Além de que a própria empresa os aproximou ao mudar-se do Prior Velho, Loures, para Santa Comba Dão, Viseu, levando-os a ambos para a nova sede em 2002. «A ida não foi encarada de igual forma por nós e a Carla ofereceu-se para me mostrar o que de bom descobria na zona.» Passeavam sem pressas, fascinados com aquele amor. Na Dierre continuavam a laborar como se nada fosse, apesar de até um cego poder ver a sua cumplicidade.
«Ter maturidade é fundamental se namoramos alguém do trabalho», elogia Cristina Mira Santos, para quem esse é justamente o ponto que fará, ou não, a relação funcionar. Passar mais tempo juntos, por exemplo: pode ser o paraíso na terra ou um inferno, se o casal não se controlar. «É ótimo partilhar boleias, projetos e não ter de contar o dia ao chegar a casa, mas torna-se péssimo se não falarmos com mais ninguém ou abdicarmos de almoçar sozinhos de vez em quando.» Também sabe bem a pessoa sentir-se apoiada se estiver em baixo, ter perto de si quem a entenda. Porém, se o outro não concordar com ela por algum motivo, a dor será ainda maior.
Mais de sessenta por cento dos trabalhadores já viveram um romance no emprego e 42 por cento estão de momento envolvidos com colegas. Outro estudo da empresa Monster, uma multinacional de recrutamento, fala em 30 por cento de casais formados no local de trabalho.
Vanessa Ferreira e João Sousa sabem do que fala a psicóloga. Tentam não levar consigo o trabalho quando saem – ou não falavam de outra coisa – e dão graças por saberem gerir os ciúmes – ou morreriam de nervos, sobretudo ele. Ainda assim, continuam a encontrar mais prós do que contras no facto de os Bombeiros de Queluz os terem juntado há nove anos. «Conhecemo-nos em 2008: eu entrei para o corpo de bombeiros como tripulante ambulâncias e o João estava lá, no grupo de intervenção permanente especial», lembra Vanessa, que atualmente trabalha como operadora de central. Uma saída de colegas em 2009 foi o início de tudo. «Nunca mais nos largámos. Já temos dois filhos gémeos de 7 anos.» Juntos para sempre, prometem um ao outro.
E é bem provável que assim seja, segundo o psicólogo brasileiro Ailton Amélio da Silva. O investigador na área dos relacionamentos, autor do livro O Mapa do Amor (Editora Gente), apurou que perto de 40 por cento dos romances surgem entre pessoas que se conhecem e convivem com frequência, sobretudo no local de trabalho, e esses duram mais do que namoros começados por outra via. «Regra geral, formamos uma opinião mais realista do parceiro quando estamos longos períodos de tempo com ele, o que dá menor margem para deceções», traduz o especialista, acrescentando ser muito fácil apaixonarmo-nos por alguém da empresa por haver também uma afinidade intelectual. «Conhecemos bem os colegas. Sabemos quais são os seus valores, opiniões e habilidades sociais.»
Para o investigador Ailton Amélio da Silva, o casal só deve contar aos outros (chefe incluído) se tiver a certeza de que é sério. Mais: «Deve ter cautela para não atrapalhar as funções de cada um e não pode ficar namorando.»
O mesmo fenómeno foi observado em empresas de todo o mundo por pesquisas da sexóloga americana Shere Hite, autora do livro Sex and Business (ed. Prentice Hall): mais de sessenta por cento dos trabalhadores já viveram um romance no emprego e 42 por cento estão de momento envolvidos com colegas. Outro estudo da empresa Monster, uma multinacional de recrutamento, fala em 30 por cento de casais formados no local de trabalho. «Aprendemos todos os dias a ganhar anticorpos para vivermos em harmonia em casa, sem que as questões laborais reinem nas nossas folgas», revela Vanessa quando lhe perguntamos o segredo. E o que a tira mesmo do sério? «Pessoas que na véspera se zangaram com um de nós e no dia seguinte não falam a nenhum.»
Isso e gente que adora analisar a vida de terceiros, sublinha a web designer Laura Costa. «Há sempre comentários, uns mais inocentes do que outros», concorda Ricardo Anjinho, programador informático. Conheceram-se em 2010 nos escritórios que as empresas de ambos partilhavam em Lisboa, separadas por biombos. Cruzavam-se nos corredores, até que ela precisou de formação técnica para um projeto e ele acorreu. «Começámos logo a identificar coisas em comum, a gostar de falar por sms fora do trabalho», conta Laura. Um dia combinaram sair para jantar. Quando deram por si, viviam juntos e faziam planos para o casamento (há ano e meio). «Sentíamos sempre vontade de partilhar as pausas, com cuidado porque pouca gente sabia.» Laura saiu ainda em 2010 para ser freelancer, mas continuam a dividir ideias em casa. «No fundo, enriquecemo-nos sem a parte das “bocas”.»
Para o investigador Ailton Amélio da Silva, o casal só deve contar aos outros (chefe incluído) se tiver a certeza de que é sério. Mais: «Deve ter cautela para não atrapalhar as funções de cada um e não pode ficar namorando.» Também a psicóloga Cristina Mira Santos reconhece não ser boa política andar de mãos dadas ou aos beijos junto à fotocopiadora, além de terem que estar bem resolvidos em quaisquer circunstâncias. «Caso se separem, terão de apanhar os cacos diante de uma equipa que sabe quase tudo das suas vidas.» Claro que ninguém parte para uma relação a pensar no fim. Mas já que no amor e na guerra tudo acontece, é melhor prevenir.
ELES CONHECERAM-SE NO LOCAL DE TRABALHO