Hoje, dia 21 de março, é o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Nas ruas de Lisboa, é inevitável constatar um desconhecimento generalizado em relação a esta data e o que ela realmente significa.
Nos anos 1960, o Apartheid, na África do Sul, era uma realidade há mais de uma década. Em Joanesburgo, 20 mil negros saíam à rua, neste dia, numa manifestação pacífica para lutar contra a lei do passe que os obrigava a ter cartões de identificação com a lista de locais por onde podiam circular.
No bairro de Shaperville, os manifestantes encontraram as tropas do exército que dispararam contra eles. Morreram 69 pessoas. Este dia, conhecido como o Massacre de Shaperville, levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a decretar o 21 de março como o Dia Internacional da Luta pela Discriminação Racial.
Mais de meio século depois, o racismo ainda é uma questão na sociedade portuguesa. «Ainda há um longo caminho pela frente, o racismo continua bem presente hoje», diz José Falcão, dirigente da Associação SOS Racismo.
E está presente nas mais diversas formas. Olga Tavares, de 52 anos, veio viver para Portugal com o marido há 16 anos. Deixaram São Tomé e Príncipe por causa de um problema de saúde e não voltaram mais. Não se queixa, gosta do país, diz inclusive que foi muito bem atendida, na maternidade Alfredo da Costa, quando deu à luz. Já o filho Edis Bragança, de 13 anos, ouve alguns comentários racistas na escola. «Macaco ou preto são nomes que já lhe chamaram». Pode parecer até uma brincadeira de crianças. Mas não é. É racismo.
Hussain Mahbub, 28 anos, do Bangladesh, vive há 20 meses em Lisboa e adora o clima – afinal antes vivia em Inglaterra. Trabalha no Lar Residencial do Centro Popular d’Espie Miranda, em Campolide, e gosta do que faz, mas já teve situações de discriminação, principalmente por causa da língua. «Às vezes, não me entendem, porque ainda estou a aprender português e não falam inglês. E não são tão simpáticos».
Tanto Olga como Hussain não falam com facilidade sobre o assunto. A primeira resposta tende a ser sempre «está tudo bem». Talvez por receio de represálias ou apenas constrangimento a primeira reação é camuflar os atos discriminatórios que acontecem todos os dias.
«A discriminação racial não é uma questão de «mera» (des)«ordenação social», mas uma questão moral fundamental na cultura do nosso tempo», lê-se no comunicado da SOS Racismo.
José Falcão alerta para o facto de «ninguém querer falar sobre o assunto. Isso é claramente indicador de que há um problema». Uma questão que a SOS Racismo considera não estar completamente defendida na Lei contra a Discriminação Racial. No passado dia 9 de fevereiro, o governo fez alterações a esta lei, atribuindo mais poderes à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR).
Para a SOS Racismo, estas mudanças «não só chegam tarde, como não trazem mais eficácia na luta contra o racismo ou melhor proteção das vítimas. Esta é uma luta de quase 20 anos e a legislação continua a não ir no sentido da criminalização do racismo que, do nosso ponto de vista, é o caminho para uma maior capacidade dissuasiva e uma efetiva proteção das vítimas.»
Para Frank Richard, um angolano de 41 anos que vive em Portugal há 25, o racismo manifesta-se sobretudo em questões laborais. «Quando estamos a candidatar-nos para uma vaga, já sabemos que eles vão escolher primeiro os portugueses e vão colocar de lado quem vem de fora. E eu tenho o passaporte português mas, se diz lá que sou angolano, não me chamam».
Ainda assim, prefere viver por cá. «Vivi na Rússia, numa terra onde ninguém falava outra língua. Aí, sim, era complicado».
Ainda que, por comparação, Portugal pareça um país agradável para se viver, a discriminação existe.