Texto Maria Espírito Santo
Lina Chaplin não gosta de ser octogenária e não tem medo de dizê-lo. Foi isso que a levou a filmar o documentário Eighty and Counting – para encontrar outras mulheres que enfrentam os mesmos oitenta.
As vidas de uma coreógrafa, uma professora e uma escritora cruzam-se neste retrato ora poético, ora cómico, ora dramático. Lina, fatalista, queria fazer um filme negro, mas as seus personagens trocaram-lhe as voltas – há beleza e esperança para lá das rugas e da solidão.
A realizadora de 83 anos nasceu na Rússia, mas mudou-se para Israel, nos anos 1970, onde tem filmado documentários e telefilmes. Encontrou o cinema por acaso, quando se casou com um realizador. Apresenta hoje, em Portugal, o novo filme, na quarta edição do festival Olhares do Mediterrâneo – Cinema no Feminino, no Cinema São Jorge, em Lisboa.
O que a fez filmar Eighty and Counting?
Também estou nos meus oitenta e todos os problemas que vêm com esta idade são interessantes para mim. Acho que a vida se torna redundante. Já não vale de nada, não é natural. Só a tecnologia e a ciência permitem viver até esta idade. Se não fosse por isso viveríamos muito menos.
A maioria dos octogenários pensa assim?
Quando decidi fazer este filme, comecei uma pesquisa e perguntei a opinião sobre o tópico, entrevistei mais de sessenta pessoas. Mas muita gente discordou comigo, recusaram-se a aceitar a minha visão. Mas ou estavam a mentir-me a mim ou a si próprios.
Fiz com mulheres e homens, mas, no final, decidi apenas mostrar as personagens femininos, que são muito mais honestas e verdadeiras. E as palavras, ditas pelas mulheres, são mais bonitas.
O que diziam quando discordavam?
Que ainda tinham força para trabalhar, que conseguiam ocupar o seu tempo, que conseguiam encontrar um significado. No fundo, que ainda tinham força e vontade.
A pesquisa que fez foi só com mulheres?
Fiz com mulheres e homens, mas, no final, decidi apenas mostrar as personagens femininos, que são muito mais honestas e verdadeiras. E as palavras, ditas pelas mulheres, são muitas vezes mais bonitas.
Como escolheu estas três personagens?
A primeira escolha, para mim, foi a Julia, que é uma melhor amiga, que ainda por cima escreveu um livro sobre o tema [envelhecer]. Depois escolhi mulheres que conseguissem explicar bem a sua relação com a idade e com a sociedade, com a forma como a sociedade as vê. Não concordavam comigo, mas as opiniões eram interessantes.
A certa altura diz que «todos devíamos ser mortos, um por um, não somos mais do que um fardo.» É realmente o que pensa?
É uma provocação. Claro que não quero matar ninguém, não sou violenta. Talvez num mundo de fantasia as pessoas possam acabar com a sua vida com alegria e não com o sofrimento que a idade traz.
Devíamos ter vidas mais curtas mas mais felizes?
Claro. Porque quando somos novos ainda formamos parte da sociedade, ainda a influenciamos. Mas a partir de certa altura já não somos relevantes, somos como uma cauda de um animal.
«O facto de ter 80 anos não é importante. Para fazer um filme sobre vacas não precisas de ser uma vaca.»
Mas se não tivesse chegado a esta idade não teria feito este filme, não estaríamos a ter esta conversa.
O facto de ter 80 anos não é importante. Para fazer um filme sobre vacas não precisas de ser uma vaca.
Quer dizer que há 30 anos teria conseguido fazer o mesmo filme?
Não… Tens razão. Um realizador novo pensaria que nunca lhe aconteceria isto [envelhecer] e que seria jovem para sempre.
Teve de convencer estas mulheres a participarem ou elas aceitaram logo?
A Julia às vezes mudava de opinião. Mas uma pessoa mais velha, pelas suas circunstâncias, acaba por ver esta oportunidade como uma forma de atenção. Velhice e solidão são muito semelhantes, como irmãs.
Quais são as dificuldades de ser realizadora nesta idade?
As capacidades de uma pessoa com 80 anos já são poucas: não têm força, acordam de manhã e estão cansadas. É mais difícil movimentar. Como o meu corpo está frágil, tenho medo de que a minha cabeça também esteja danificada e que esteja a ficar uma realizadora cada vez pior. Sempre achei que quanto mais velha, mais experiência teria e mais confiante ficaria com os meus filmes. Mas funciona ao contrário: à medida que envelheço, fico cada vez menos confiante.
«Cada vez que termino um filme, penso em deitá-lo fora. Mas só o fiz uma vez, com o meu primeiro filme. Era um drama sobre o amor de uma mulher por um homem mais velho. Tão mau que tive de o deitar para o lixo. Foi há 50 anos.»
Quais são as suas dúvidas?
É difícil dizer. Cada vez que termino, penso em deitar o filme fora. Mas só o fiz uma vez, com o meu primeiro filme.
De que tratava?
Era uma ficção, um drama sobre o amor de uma mulher por um homem mais velho. Era tão mau que tive de o deitar para o lixo. Foi há cerca de 50 anos.
Nessa altura, tinha a certeza de que queria cinema?
Não. Primeiro estudei Química, só depois comecei a estudar Cinema. Casei-me com um realizador e a vida dele parecia muito mais entusiasmante, com muito mais glamour e glória, muito melhor do que estar num laboratório.
Não era um sonho de criança?
Não. Nunca fui uma pessoa artística.
Não se arrepende dessa mudança?
Não. Estou feliz que me tenha feito mudar de ideias. Infelizmente o meu marido morreu há cinco anos. Se fosse vivo, ainda estaríamos juntos.
«Queria fazer um filme mais negro mas não consegui convencer quem estava à minha volta, não consegui levar a minha mensagem avante.»
Nasceu na Rússia, mas vive há anos em Israel: como é que esta dupla nacionalidade influenciou os seus filmes?
Nasci em Vladivostok, perto do Japão, e mudei-me para Israel em 1976, já era muito mais velha do que a maior parte dos realizadores. Não sei se a diferença é a idade, mas o facto de vir da Rússia quer dizer que venho com uma tradição e um modo de pensar que é distinto. Os meus filmes sempre foram sobre ideias gerais e não sobre coisas específicas, da vida em Israel.
No seu documentário Voices from the Booth (2014) conheceu seguranças de cabina imigrantes a trabalhar em Israel. Para si é interessante filmar a solidão?
Nesse filme há solidão, mas não é o tópico principal. O que achei mais interessante foi a ideia de que as pessoas não perdem a fé. Também eu não perco a fé. Sou velha e toda a gente espera que desista e que fique em casa. Mas não: continuo a fazer filmes, ou tento fazer. Como as minhas personagens, que continuam a criar.
Apesar de várias intervenções pessimistas, o filme é cheio de detalhes belos – mãos que tocam uma árvore, outras que lavam a loiça, uma mulher que dança tango.
Queria fazer um filme mais negro mas não consegui convencer quem estava à minha volta, não consegui levar a minha mensagem avante. Trabalho com uma equipa muito feminina, da produtora à compositora – tudo mulheres –, e acredito que a voz delas teve um efeito forte no resultado final.