Furoshiki: esqueça os embrulhos de papel!

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Texto de Ana Pago | Fotografia de Diana Quintela/Global Imagens

No período Edo, quando os xoguns da família Tokugawa governavam o Japão (do século XVII a inícios do XIX), os banhos públicos eram o último grito da moda. Os senhores feudais gostavam de se banhar em água quente enquanto conversavam – algo que teria muito menos piada se perdessem os seus pertences. Então embrulhavam-nos numa trouxa feita com um quadrado de tecido e alguns nós, estampado com o símbolo do clã, e a isso chamaram furoshiki – a arte milenar de embrulho japonês usada para transportar objetos e embalar presentes, numa lógica sustentável de reaproveitar tecidos. Ainda bem, porque de outro modo não teríamos esta história.

Susana Domingues reconhece ser difícil explicar esta arte japonesa, já que pode ter significados diferentes consoante quem dá, quem recebe, a ocasião.

«Furoshiki vem das palavras japonesas furo (banho) e shiki (espalhar), e aqui se percebe melhor a função primordial de transportar algo no interior do pano», explica Susana Domingues, responsável pelos workshops de furoshiki no Museu do Oriente, a par dos de orikata – uma técnica de embrulho com papel desenvolvida no mesmo período Edo. A dada altura, também as classes trabalhadoras passaram a usar o furoshiki para transportar bens sem grandes custos associados. O que começou por ser uma prática de gente rica democratizou-se.

«Numa altura que se fala tanto em reciclar, A ideia é voltar a atar e reutilizar os tecidos», diz Susana Domingues.

«O Japão tem uma tradição têxtil muito forte e uma beleza minimalista inerente a tudo o que faz, pelo que o furoshiki se enquadra nesta lógica de conseguir muito com poucos recursos», resume Susana. A arte começa com um pano de 45 por 45 centímetros aberto em diagonal sobre a mesa – os maiores têm 70 centímetros por 70 –, mas ninguém se iluda com a aparente simplicidade: não existe no mundo quadrado tão versátil como este.

«Numa altura em que se fala tanto de reciclar, do ecologicamente correto, a ideia é que os tecidos voltem a ser dobrados, atados e reutilizados para embrulhar ofertas, transportar objetos ou até como enfeite», diz.

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Aos 37 anos, formada em Comunicação Social pela Universidade Católica e a trabalhar no Museu do Oriente desde 2008, ela própria se tornou especialista em furoshiki à força de muito ler e praticar mais ainda. «É difícil explicar estas artes japonesas, já que estão todas interligadas e carregam significados diferentes consoante quem dá, quem recebe, a ocasião, a forma como quero envolver o coração de quem gosto.»

Além de bonitos e ecológicos, os embrulhos têm um significado especial: é como se estivéssemos a envolver o coração de quem gostamos.

Uma coisa é certa, garante Susana: ninguém fica de mãos atadas diante do pano. Claro que o furoshiki requer treino e atenção aos detalhes, mas depois não é coisa para ser totalmente perfeita nos usos que lhe damos no dia-a-dia. «Serve inclusive para ir às compras sem levar sacos de plástico», aponta. A imaginação, mais do que o jeito, define os limites.

Um lenço bonito a envolver o livro que vamos dar à mãe pode, com dois ou três nós estratégicos, transformar-se à vez numa bolsa de cerimónia, uma flor para o pescoço, um enfeite para a cintura – é só ir desmanchando e fazendo de novo consoante a vontade. A garrafa de vinho da praxe que se oferece ao pai? Escolha um quadrado de pano que tenha a ver com ele – há-os aos montes, de todos os materiais e padrões –, siga as instruções que lhe damos na fotogaleria e no vídeo (são as mesmas que Susana faculta nos seus workshops) e prepare-se para um brilharete sem precedentes na noite de Natal. Tudo isto sem os habituais caixotes atestados de papéis rasgados nas ruas.

O próximo workshop é dia 16 de dezembro, bem a tempo do Natal, na R/C Oriente, em Lisboa.

«A lógica do furoshiki é sempre esta do “toma lá dá cá”, pelo menos no Japão», sublinha Susana Domingues. Podemos fazer mil embrulhos usando o mesmo tecido quadrado, porque o pano regressa sempre às mãos de quem oferece, prosseguindo a sua missão utilitária e sustentável. Algo que ainda não acontece em Portugal.

«Não chegámos ao ponto de as pessoas perceberem o conceito de furoshiki como os japoneses o entendem, pelo que podiam levar a mal se lhes pedíssemos o pano de volta», ressalva a criativa, que em 2011 criou a loja online Hands on HeArts justamente para dar livre expressão a esta sua paixão pelas artes japonesas.

No caso do furoshiki, o tecido acaba por ser assim um mimo inesperado da parte de quem oferta, além de assegurar que o conteúdo se torna inesquecível para quem recebe o presente. O que importa se ali dentro estão peúgas, cuecas ou sinos de chocolate, se só o embrulho já vai ofuscar tudo o resto que estiver debaixo do pinheiro?

O próximo workshop está marcado para o dia 16 de dezembro (bem a tempo do Natal), das 11:30 às 13:00, na R/C Oriente, em Alvalade, Lisboa. Inscrições limitadas aqui.