Esta casa dá comida a quem precisa

Texto Susana Silva | Fotografias Artur Machado/Global Imagens

Cidade do Porto. Noite de quarta-feira fria e chuvosa de novembro. Mal vislumbram a carrinha branca a sair do túnel de Ceuta, algumas pessoas formam uma fila em frente às urgências do Hospital de Santo António. Lá dentro vem, para muitos, a única refeição do dia.

As voluntárias do CASA Porto – Centro de Apoio ao Sem-Abrigo não tardam em servir os que se aproximam, iniciando um ritual que só terminará lá pela uma da manhã. Marta Santos, 31 anos, administrativa, Ariana Domingos, 24 anos, enfermeira, e Daniela Fernandes, 22 anos, farmacêutica, vão passando a comida acabada de confecionar e sabendo das últimas.

«É muito fácil chegar à rua. É muito fácil perder o emprego, ficar viúvo, perder um salário e não conseguir pagar uma prestação ao banco.»

Na fila predominam os rostos cansados. Nem todos dormem na rua, mas o dinheiro da reforma ou subsídio mal dá para um quarto.

«É muito fácil chegar à rua. É muito fácil perder o emprego, ficar viúvo, perder um salário e não conseguir pagar uma prestação ao banco. Já não se tem família, há uma desavença familiar e não há teto. O mercado de arrendamento está impossível e é muito fácil isso acontecer», afirma Marta Santos, voluntária há três anos.

Serafim Cardoso, 59 anos, mora numa pensão. Após 12 anos a trabalhar na Soares da Costa, o desemprego mudou-lhe o destino. «Nunca pensei chegar à rua, onde vivi dois anos. Não é vida para ninguém. Estava a dormir e vinham os catraios com latas e pedrinhas para me assustar», relembra o calvário, que só terminou quando passou a receber o subsídio da Segurança Social, que mal dá para pagar o quarto. «Nem que não queira, tenho de vir às carrinhas comer», avança Serafim.

«O que custa mais é a humilhação. Uma pessoa ter de se deitar à porta de alguém, que, a qualquer momento, pode chegar ali e dizer para sairmos.»

Neste dia, Maria e José (nomes fictícios) contavam a sexta noite a dormir num portal na Rua da Torrinha. Acreditavam ser a última. «Só estou à espera do meu subsídio. Temos o quarto apalavrado, só preciso do dinheiro para o alugar», explica o homem, 64 anos.

Foram 43 anos a trabalhar, mas a Segurança Social recusou-lhe a reforma por três vezes. Não tem idade. «Comecei a trabalhar aos 15 anos como aprendiz de serralheiro, até 2014 nunca tinha ficado desempregado. Ganhava muito bem, mas foi tudo abaixo.»

A mulher, 63 anos, ex-escriturária, com a vergonha estampada no rosto, afirma: «O que custa mais é a humilhação. Uma pessoa ter de se deitar à porta de alguém, que, a qualquer momento, pode chegar ali e dizer para sairmos.»

Quando tudo falha, a estas pessoas vale-lhes instituições como o CASA e os seus cerca de 400 voluntários.

Na Cordoaria, um casal aproxima-se a correr. Só a mulher fica e partilha a sua sina. Ana Rocha, 43 anos, mãe de dois filhos, é de Lisboa, está sem-abrigo há sete anos. «Foi a toxicodependência que me atirou para a rua. Ninguém me dá emprego. A droga destruiu tudo», justifica-se, avançando: «Já fiz desintoxicação na REMAR, larguei a heroína e tomo metadona, mas a cocaína não consegui deixar». Da filha não tem notícias, mas o reencontro com o filho deu-lhe um motivo «para refazer a vida».

Quando tudo falha, a estas pessoas vale-lhes instituições como o CASA e os seus cerca de 400 voluntários. A missão da organização, com sede em Lisboa e presidida por Rogério Figueira, a atuar no Porto há quase 10 anos, é a de garantir a alimentação para todos diariamente.

A equipa que sai à quarta-feira é a mais pequena, fica mais tempo a falar com as pessoas. «A ideia é que se torne um grupo de emergência multidisciplinar para dar um apoio mais individualizado. Foi este projeto que recebeu o apoio da campanha solidária Promoção do Bem, desenvolvido pelo Lidl» (ver caixa), explica Pedro Pedrosa, coordenador da delegação da segunda cidade do país.

«Temos há um ano o restaurante solidário, na Batalha, que fornece mais de 170 refeições quentes por dia.»

Os braços do CASA Porto são bem mais extensos, dando apoio a mil pessoas. E este é apenas um dos projetos. «Temos há um ano o restaurante solidário, na Batalha, que fornece mais de 170 refeições quentes por dia», salienta o coordenador, continuando: «Temos o CASA Amiga, que consiste na distribuição quinzenal de cabazes a mais de 200 famílias carenciadas.» Entretanto, avançaram para outro projeto, em parceria com a Animais de Rua, de alimentação de animais de rua.

O próximo passo é o CASA Mais, um projeto de educação com duas vertentes: uma para crianças, de combate ao insucesso, e outra para adultos, que visa combater o analfabetismo e criar qualificação profissional.

COMO AJUDAR: Para prestar apoio a CASA Porto precisa que as empresas e a sociedade civil se envolvam. Podem fazê-lo tornando-se voluntários, entregando bens alimentares ou fazendo doações monetárias (IBAN: PT 50003603449910000412842).

Trabalhadores escolhem IPSS

Pelo nono ano, o Lidl promove uma campanha solidária no Natal. Depois de ter arrecadado perto de 8 milhões de euros para quase 120 instituições com as três edições do Arredonda e as duas do Mais para Todos, a empresa alemã leva a cabo a segunda edição da Promoção do Bem, que no ano passado distribuiu 540 mil euros por cinco IPSS.

A ação, que decorre até 24 de dezembro – nas lojas há um artigo em promoção por semana, com 50 por cento do valor da venda a ser doado –, teve a particularidade de envolver os trabalhadores do Lidl na escolha das instituições a beneficiar da recolha de fundos. O objetivo foi fazer uma aproximação às necessidades da população de cada região.

A escolha deste ano recaiu no CASA Porto (Norte), na Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Anadia e de Soure (Centro), nas Aldeias de Crianças SOS (Lisboa e Vale do Tejo), na Cruz Vermelha Portuguesa (Alentejo) e na RE-FOOD (Algarve). Até a comunicação envolvendo a divulgação da campanha contou com a participação de voluntários das IPSS e de funcionários das lojas da região.

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