Dia da ONU: os falhanços em 72 anos de capacetes azuis

Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Reuters

Aproveitando uma visita de quatro dias à República Centro-Africana – país onde se vive uma das crises humanitárias menos faladas da atualidade – António Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), alertou hoje, 24 de outubro, para os «desafios graves» que o mundo enfrenta, afirmando que existem os «instrumentos e recursos necessários» para os vencer.

De acordo com as Nações Unidas, o número de deslocados neste país já ultrapassa os 600 mil e os refugiados nos países vizinhos já chegam ao meio milhão. Atualmente, a Missão da ONU no país conta com dez mil capacetes azuis. O cenário não é promissor e este é um dos casos em que a intervenção da organização não tem tido os resultados esperados.

Outras situações têm sido apontadas como falhanços no currículo das Nações Unidas. A guerra da Síria que dura há seis anos e que originou a maior crise e refugiados da atualidade é talvez o mais flagrante.

No entanto, a perseguição à minoria étnica rohingya em Myanmar, que tem escalado nos últimos tempos e obrigou à fuga de milhares de rohingyas do país, tem levantado dúvidas. Numa visita em maio, uma equipa da organização que investiga abusos cometidos pelo exército e maioria budista foi impedida de aceder ao estado de Rakhine e Renata Lok-Dessallien, a chefe da missão permanente da ONU em Myanmar foi afastada do cargo. Ou seja, outro fracasso.

Fundada a 24 de outubro de 1945 com a ratificação da Carta das Nações Unidas e no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas têm como propósito maior manter a paz mundial. Mas a história tem provado que o desfecho nem sempre é esse. Estes são quatro exemplos – há outros – do falhanço da ação da ONU em conflitos.

CONGO

A ONU teve a primeira missão na República Democrática do Congo na década de 1960. Em 199, o continente africano vivia um dos seus períodos mais sangrentos e os capacetes azuis estabeleciam a MONUSCO (Missão das Nações Unidas de Estabilização da República Democrática do Congo). Quase vinte anos depois, não há sinais de paz no terreno. Em 2010, os enviados especiais da ONU chegaram mesmo a admitir que a missão falhara na proteção aos civis no momento em que chegavam relatos perturbadores de violações em massa de mulheres e crianças. «Ainda que a responsabilidade principal de proteger os civis seja claramente do governo congolês, nós também falhamos, já que não cumprimos nossa obrigação de proteger os civis no leste do Congo. As nossas ações não foram adequadas e isso resultou em uma agressão brutal à população local», disse Atul Khare, que era o subsecretário da ONU para Operação de Paz. Em março deste ano, foram assassinados dois funcionários da ONU, a sueca Zaida Catalán e o norte-americano Michael Sharp, enviados ao Congo para investigar crimes e violações dos direitos humanos.

HAITI

No passado 15 de outubro chegou ao fim a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), após 13 anos no terreno. Em 2004, a ONU chegou ao país após os conflitos que levaram ao exílio o então presidente Jean-Bertrand Aristide. Ainda que a organização assuma que houve melhorias uma vez que a missão era de pacificação – não de desenvolvimento – houve manchas graves durante mais de uma década de ação. Durante a epidemia de cólera em 2010, em que morreram entre oito a dez mil haitianos, ficou provado que esta foi trazida por militares nepaleses em missão. O ex secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon acabou por se desculpar por não terem feito o suficiente para travar a doença. Este ano, a agência de notícias Associated Press revelou ainda um relatório interno das Nações Unidas em que eram revelados mais de dois mil casos de abusos sexuais – que também envolvem crianças – por parte dos capacetes azuis

RUANDA

Este é talvez um dos casos mais conhecidos do falhanço da ação da ONU. Em 1994, o genocídio no Ruanda (em que cerca de 800 mil pessoas – maioritariamente tutsis – foram massacradas por extremistas hutus) chocou o mundo e a ONU foi acusada de nada fazer para prevenir a chacina. Vários países alertaram para a possibilidade de um genocídio mas não houve ação direta e depois de soldados belgas serem mortos, a maioria das tropas foram retiradas do Ruanda. Vinte anos depois, Colin Keating, o então presidente do Conselho de Segurança da ONU, pediu desculpa em nome da organização por não feito nada para evitar um dos maiores massacres do continente africano.

BÓSNIA E HERZEGOVINA

O Massacre de Srebrenica é considerado um dos acontecimentos mais sangrentos da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Em julho de 1995, as tropas sérvias cercaram esta cidade onde as forças holandesas da ONU tinham uma base militar em Potocari, considerada como «zona segura». Aí abrigaram cerca de 300 muçulmanos. Sem poder de resposta ao cerco, as tropas da missão de paz entregaram os refugiados aos sérvios. Cerca de oito mil pessoas foram massacradas e enterradas em valas comuns. Em 2017, o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, sediado em Haia, considerou que as tropas holandesas da ONU, ao entregaram as 300 pessoas, foram parcialmente culpadas pelo genocídio que viria a acontecer.