Porque o assédio não é o único sintoma de desigualdade

Notícias Magazine

Facto 1:
No outro dia, postei no Instagram uma fotografia de duas mulheres com saltos finos e altos. Só fotografei os pés, até ao joelho, mas do ambiente, e das calças que usavam, percebia-se que estavam num meio laboral – de facto, estavam ambas a fumar no pátio do empreendimento de escritórios onde está agora a Global Media. A legenda da minha fotografia era: «Venham falar-me de igualdade.» Não foi a primeira vez que referi o assunto, essa dicotomia entre saltos altos e desconfortáveis e igualdade de tratamento e condições de trabalho entre homens e mulheres. Quando a coligação PSD-CDS estava no governo, e as quatro ministras que ocupavam o Terreiro do Paço se deixaram fotografar na Praça do Comércio no que parecia uma competição pelos saltos mais altos, questionei se se podia verdadeiramente sentir-se poderosa com os joanetes feitos num oito.

 

Facto 2:
Sara Sampaio foi o assunto da semana no desfile que a marca de lingerie Victoria’s Secret fez em Xangai, na China. A portuguesa desfilou em trajes menores e os críticos minuciosos acharam que ela estava com uma barriga mais proeminente do que o habitual. O sururu nas redes sociais foi de tal ordem, com rumores de que estaria grávida, que ela própria acabou por postar um indignado desmentido no Instagram – negando que não, não estava, como se isso fosse um insulto. Ou como se fosse um insulto ter meia dúzia de gramas a mais. Ou «estar naqueles dias do mês», como ela própria disse.

Facto 3:
No mesmo dia do desfile de modelos mais ou menos escanzeladas em Xangai, algumas com seios de copas artificialmente insufladas, próprias para encher as peças de lingerie, a modelo Ashley Graham publicou uma fotografia, também no Instagram, onde acrescentou, com Photoshop, umas asas a imitar os anjos da marca de roupa interior. Na legenda, ela dizia, cheia de ironia: «Consegui as minhas asas.» A ironia devia-se ao facto, para quem não sabe, de Ashley ser aquilo que a indústria da moda chama uma modelo plus size – tem não apenas umas gramas, mas alguns quilos além da norma para modelos que desfilam nas passerelles. E aquela foto, dela em lingerie, era real, tinha sido tirada num desfile da Semana da Moda de Nova Iorque, em 2016. A Victoria’s Secret, cujo principal mercado é o americano, e cujas cuecas e sutiãs vêm em todas as formas e feitios, conseguiu até pôr sete modelos chinesas a desfilar nas passerelles, mas parece continuar insensível à esmagadora maioria das mulheres normais, que não vestem tamanho 32.

Facto 4:
Arianna Huffington, a criadora do blogue com o seu nome que se transformou num dos grandes media online americanos, tem uma nova causa – a repetição de roupa. Segundo ela, a pressão social para que as mulheres mantenham um certo nível de elegância formal, que se acentua ainda mais nas mulheres de sucesso, fá-las passar muito mais tempo do que os homens a… ficar bem parecidas. «Como mulheres, já quebrámos muitos telhados de vidro, mas ainda estamos a laborar por debaixo dos telhados de algodão-seda-às-riscas-maquilhagem-saltos altos.» Ou seja, segundo ela, que se tornou uma ativista do bem-estar, as mulheres têm de quebrar este bloqueio – e quem o tem de fazer são sobretudo elas (até porque não é frase feita que elas se vestem umas para as outras.) «As mulheres pagam um preço mais alto por isto. E as noções de fato profissional estão tão desatualizadas como a de que o burnout é um sintoma de dedicação ao trabalho.»

Conclusão: e ainda querem falar-me de igualdade…