Enquanto as mulheres continuarem a ser donas de casa independentemente do seu papel no mundo… não há igualdade.
Sim, vou voltar às peúgas. Às peúgas deixadas pelo chão – essas que são o princípio e o fim de todas as conversas sobre igualdade e paridade entre homens e mulheres. Pelo menos das que sejam verdadeiramente realistas.
Nesta semana foram discutidas no Parlamento as regras que vão obrigar empresas públicas e cotadas a ter uma quota de 33,3 por cento de mulheres nas administrações – com um prazo dado de um ano, 2018, para as públicas, e dois, 2020, para as privadas. Está, portanto, elevado o debate, neste momento. Está ao nível do PSI 20. Mas, vão por mim e pela minha tese das peúgas, nem isso vai alterar as coisas. Se tudo correr bem, teremos mais mulheres nos conselhos de administração de empresas. E isso vai querer dizer que teremos mais mulheres que vão acumular funções importantes com a tarefa de apanhar as meias do chão. As delas, as dos maridos e as dos filhos. Mulheres que, antes de saírem de casa para aquela reunião superimportante com o CEO da empresa com quem vão negociar, estarão de rabo para o ar a apanhar do chão do quarto as meias sujas que o marido não deitou no cesto da roupa suja.
O leitor mais atento já percebeu que as peúgas são aquilo que em bom português se chama uma metáfora. O menos pode substituir «apanhar peúgas do chão» por qualquer outra tarefa doméstica: pensar e fazer o jantar, preparar a roupa dos miúdos para o dia seguinte e o lanche daquele dia…
Pensando na opção provável de que estas mulheres que acedam a cargos de administração possam ter salários compatíveis com o poder contratar uma empregada doméstica, as mesmas mulheres estarão a organizar a vida da casa e a delegar algumas das tarefas nessa «ajuda». Mas isso muda pouco – porque a cabeça delas não estará focada, estará em várias coisas ao mesmo tempo. (Talvez seja por isso que nos atiram sempre à cara esta capacidade de fazer várias tarefas ao mesmo tempo.)
Ora, para voltar à minha tese das peúgas, é simples: quando apanhá-las está em causa, não há paridade – ou lei para a provocar – que resista. Como a maior parte dessas tarefas que menorizam o papel feminino no mundo é feita entre quatro paredes e portas fechadas, na intimidade das famílias, isso praticamente não é falado na praça pública. Não é assunto digno de discussão parlamentar.
E, no entanto, é neste fenómeno sociológico de terem de fazer estas tarefas que reside a primeira e mais importante desigualdade. Enquanto as mulheres tiverem de repartir o seu tempo e atenção nessas tarefas, enquanto, de forma muito clássica, tiverem de ser «donas de casa», independentemente do seu papel no mundo, partem em pé de desigualdade para tudo o resto que as profissões que têm nesse mundo lhes pedem. Esta foi a minha crónica, mais uma vez subordinada ao tema: a igualdade começa em casa.
[Publicado originalmente na edição de 19 de fevereiro de 2017]