Há dias, em entrevista numa televisão francesa, o jornalista perguntou a um advogado lobista se tinha feito determinado contacto. A França anda embruxada com eleições presidenciais dramáticas e o assunto era delicado. O advogado respondeu: «Não, não fui eu quem fez o contacto, se é que houve contacto», disse, com um sorriso meio torcido, já que era público ter havido o tal contacto. «E com esta resposta estou a fazê-lo de parvo, claro», acrescentou ele para o jornalista. Estava a mentir e a confessá-lo. Mas com um mentir de biombo que nunca nos permitirá dizer mais tarde que, sim, ele admitiu ter feito aquele contacto
Volto, pois, a falar de um assunto, a mentira, de que gosto muito. Não é de falar dele que gosto, é dela, da mentira. Da mentira, mentira. Das mentiras sinceras, como já tive ocasião de escrever aqui, e, se me repito, é pelo respeito e até carinho que tenho por elas. As mentiras em geral têm uma fama desgraçada, o que é injusto pois algumas são deliciosas e morais. Além de que todas são respeitadoras: reparem, ninguém mente para aquele que despreza. Toda a mentira é uma homenagem a quem ouve. Inventar exige sempre algum esforço e criar uma mentira é reconhecer que o outro merece uma canseira, já para dizer a verdade basta narrar o facto. Luís XIV, o Rei Sol, podia dizer só verdades; já Luís XVI, o guilhotinado, aprendeu à sua custa não saber aldrabar os seus súbditos.
Graham Chapman foi um dos autores e atores do Monty Python, a série de humor. Britânica e mundial, televisiva e não só televisiva, do século passado e depois dele: a série de humor. Chapman foi um dos que escreveram o sketch O Papagaio Morto, de um azulinho norueguês de morrer. Justamente, era de quinar que se tratava e o assunto enterra-se em duas pazadas: para apresentar uma reclamação, um cliente volta à loja de animais onde acabara de fazer uma compra. O papagaio estava morto (aliás, esteve sempre, pregado ao baloiço da gaiola) e o empregado da loja negava aquela evidência. A cena dura a eternidade de cinco minutos e, durante ela, «morre» e as suas últimas consequências foram ditas em todos os seus funéreos estados: defunto, falecido, finado, esticar o pernil, bater as botas, trespassar, expirar, apagar-se… Enfim, era um ex-papagaio.
Na morte de Graham Chapman, em 1989, o seu companheiro John Cleese, repetindo aqueles eufemismos, talvez não tenha feito a mais pungente oração fúnebre mas, certamente, fez aquela com mais imorredouras gargalhadas numa capela enlutada. E aqui chegamos a uma gloriosa mentira. Dias antes de morrer, Graham Chapman estava não só vivo mas inventou uma sua auspiciosa e falsa saúde.
Tinha-lhe sido diagnosticado um cancro na garganta, há meses. Os tratamentos não correram bem e os amigos sabiam que ele estava com um pé prà cova, como se diria num sketch sobre um periquito norueguês. Então, Chapman convenceu um canal de televisão de que estava curado. Como até era médico, o seu testemunho era confiável. As câmaras filmaram-no a ser ajudado por uma enfermeira, enquanto ele explicava que tudo ia pelo melhor dos mundos. O jornalista acabou o programa comovido e dizendo que as melhoras continuavam.
Dias depois, ele morreu. Quer dizer, morreu empurrado, como quase sempre, e nos caberá a todos. Mas ele não quis ir sem lavrar uma vigorosa mentira. Graham Chapman é o autor de A Liar’s Autobiography, Volume VI, que é não só a autobiografia de um mentiroso como uma mentira de autobiografia e, ainda, um exagero de volumes publicados. Felizmente há autores em quem podemos confiar.