– Não devias fazer isso.
– Isso o quê?
– Ir viver com o Miguel.
– Não devia porquê? Quem é que me impede? Eu sou maior, ele também. Já deixei de me sentir culpada com isso.
– Não é por causa da culpa. É por causa da logística. O Pedro vai-te fazer a vida negra.
– O Pedro ficou lixado com isto tudo, mas agora quer mais é que eu me lixe. Está-se nas tintas para com quem é que eu vou viver.
– Não está não.
– Como é que sabes? Falaste com ele?
– Não preciso de falar. Isso é simples. Não deves ir viver com alguém com quem enganaste outra pessoa.
– Que regra é essa? Onde é que isso está escrito? O que mais para aí há é gente que engana outra gente e depois vão viver juntos com o outro ou com a outra.
– Certo. E o que é que têm quase todos em comum?
– São mais felizes?
– Não. Têm péssimas relações com os ex-maridos e as ex-mulheres. E isso é terrível para todos. Sobretudo para os filhos.
– Os meus filhos já estão preparados. Já falámos montes de vezes.
– Estão preparados para ouvir o pai dizer mal do namorado da mãe? Estão preparados para que o pai os vá deixar à casa nova da mãe mas não entre porque não quer ver o outro «para não lhe partir a cara»?
– O Pedro ficou chateado. Eu também ficava, se fosse enganada. Mas ele dá a volta por cima. Bolas, é crescidinho. Isto podia acontecer com ele. Sei lá eu se não aconteceu.
– Não sabes e nunca vais saber. Ele nunca te vai dar o gostinho de descobrires.
– Agora sente-se macho ofendido, mas passa-lhe.
– Sabes o que é pior do que dor de corno? Só a dor de garganta por ter de engolir um sapo do tamanho do mundo quando se é obrigado a cumprimentar a razão da dor de corno. E é isso que estás a pedir ao Pedro.
– Não lhe estou a pedir nada. Se ele não quiser conviver, não convive. Se não quiser cumprimentar, não cumprimenta.
– Ouve, uma coisa é um tipo ser enganado. A mulher traiu-o com outro.
Pronto, acontece. Foi o que fizeste. Outra, diferente, é ser apanhada. E, depois disso, disseste ao teu marido que querias sair de casa para ir viver com outro. Não contente, ainda lhe levas os filhos.
– Eu não lhe levo os filhos, vamos ter custódia partilhada.
– Ele vai ficar com os miúdos ao fim de semana. Tu quiseste assim. Não é o que ele queria. Tiveste foi uma sorte danada com o juiz. Apanhaste um velho.
– Mas tu estás do meu lado ou do lado do Pedro?
– Não estou do lado de ninguém. Sou amigo dos dois.
Mas fizeste mal. Estiveste mal nesta história toda. Podias fazer isto tudo, mas esperavas uns tempos até ires viver com o Miguel.
– Não sou mulher de estar sozinha.
– Pareces um gajo a falar. Os homens é que fazem isso. Ouve, tu és engenheira de sistemas. Com tanto algoritmo que tens de ver, ainda ninguém se lembrou de compilar um manual de procedimentos interativo para ajudar pessoas como tu?
– Como eu? O que é que isso quer dizer?
– Desequilibrados emocionais, inadaptados sentimentais ou apenas inexperientes, que saem de uma para se meterem noutra. Sem dar tempo de intervalo.
– Achas que devia criar uma coisa dessas?
– Ficavas rica num instante
– Podias ser meu consultor.
– Claro. Tu não percebes nada do assunto.