Não usam o carro para se movimentarem na cidade. E ambos gostam de se equilibrar em duas rodas e do vento no rosto. Um com motor, o outro sem. Nuno Catarino prefere as bicicletas, enquanto Ricardo Guerra é do clube das motos.
A confissão de Nuno Catarino é desarmante: tornou-se fundamentalista da bicicleta quase por moda. Foi um colega que se deslocava a pedais para o emprego que lhe espicaçou curiosidade. Isso e um boom de lisboetas que começaram a largar o carro e os transportes públicos para pedalar. Agora não quer outra coisa. «Não tenho vergonha de dizer que foi um pouco pela moda que comecei a aderir à bicicleta. Foi em 2012 e agora não uso mesmo carro. E nunca liguei muito às motorizadas. É muito mais caro.»
Antes de chegar à sessão de fotografias, Ricardo Guerra, empresário do audiovisual, avisava que não acha graça nenhuma aos ciclistas urbanos. Disse logo que a sua paixão pelas motos é coisa séria. «Toda a vida gostei delas, mas o meu pai apenas me deixou ter uma aos 18 anos! Tenho agora 17 motos, entre as quais uma Harley e três de motocrosse. Todas são personalizadas e tenho um fascínio pelo aspeto da relíquia; duas delas têm 39 anos» – tantos quanto ele. Nuno ri-se e diz que para ele basta a sua bicicleta de estrada Single Speed.»
O homem da bicicleta poderia refilar com a barulheira dos motores, com a poluição ou com um eventual excesso de atitude motoqueira. Por seu turno, também poderíamos imaginar alguém das acelerações a embirrar com as ciclovias ou o pedantismo hipster de alguns ciclistas. Mas nem um nem outro têm ódios mútuos. Ricardo apenas não concorda com alguma falta de legislação sobre os ciclistas. Prefere falar do prazer que é passear numa das suas motos e lembra que recentemente, numa viagem com amigos, viu-se emocionado a passar umas montanhas. «Se calhar este meu amor pelas motos passa por um desejo de escapismo.»
Nuno Catarino gosta de destacar o fator social. «Desde que comecei a movimentar-me de bicicleta conheci muita gente em passeios comuns e é uma atividade que provoca convívio. Encontrei aqui um sentimento de comunidade.» Quer se queira quer não, quem leva a sério a questão de sustentabilidade ecológica através das bicicletas está igualmente a entrar num certo lifestyle. O também amante de jazz está muito feliz com esta sua nova mobilidade e só abdica da sua companheira de duas rodas quando chove – nesses dias, usa os transportes públicos.
A faísca maior do encontro nasceu quando Ricardo se lembrou dos ciclistas de fim de semana e de uma «certa raça»: aqueles ciclistas amadores que não largam as calças de licra. «São eles que entopem a marginal. Ainda no outro dia vi um grupo de dez ciclistas gordos a subir o Guincho… São aqueles que estão sempre a dizer “O que é? Passa por cima!” Pior do que isso é aquela cena de vocês não respeitarem os sinais, nunca param no sinal vermelho.» Nuno não se fica: «Eu paro, nem que seja para dar o exemplo. Os motoqueiros é que têm uma coisa que é perigosa: são mais imprevisíveis do que os carros. Sei que estou a generalizar, mas…»
Nenhum tem coragem de dizer, mas sente-se que ambos acham que cada uma das fações contrárias se comporta como «dona disto tudo». No fim, despedem-se de forma conciliatória. «Obviamente, não tenho nada contra as bicicletas», diz o homem das motos. «Até tenho curiosidade pelas motos», confessa o ciclista.
NUNO CATARINO
Tem 36 anos e sente-se melhor desde que começou a andar de bicicleta em Lisboa. Natural de Esposende, trabalha na comunicação da Associação Portuguesa Apoio à Vítima e escreve sobre música jazz na imprensa. Tem carta de condução mas não tem carro. «Poupo no passe e movimento-me de forma muito mais rápida na cidade.»
RICARDO GUERRA
Tem 39 anos e desde os 18 que não larga as motos. É diretor e proprietário da Hello Movement, produtora de conteúdos audiovisuais. A paixão motorizada é mais do que um hobby, é um estilo de vida, mas admite também ter automóvel. «Tento compensar o que vou poluindo ao fazer reciclagem de tudo!»