Os homens doentes queixam-se mais porque a sua tolerabilidade é menor do que a da mulher, que sofreu anos e anos de sujeição psicológica e emocional e, por isso, aguenta mais. Nada de biológico, portanto.
Começou ao fim da manhã. Um leve arranhar na garganta. Duas horas já sentia que engolia agulhas. Ferrugentas. Depois veio a tosse e o peso na cabeça. Pelo meio-dia sentia que alguém me apertava as orelhas uma contra a outra. Depois de almoço já era um candelabro de Versalhes pendurado na testa. Entretanto, o nariz tinha-se transformado numa gigantesca máquina excretora. Primeiro o Tejo e Douro, depois o Nilo e o Amazonas passaram por aquelas narinas. Pelas quatro da tarde vieram as dores. Lancinantes. Começaram nos cotovelos, avançaram até aos ombros. E depois o antebraço também. Estava a espalhar-se! Não cheguei a perder os sentidos, mas sou capaz de ter soltado uns palavrões entre o 30º e o 40º espirro – aquilo fazia doer os abdominais. Fui à cama pelas sete da tarde. As pálpebras cosidas ao queixo não me deixavam ver bem a luz ao fundo do túnel, que estava cada vez mais ténue. Não havia dúvidas: era grave. Ainda assim, aguentei estoicamente todo aquele sofrimento. Até ao momento, à hora de jantar, em que a minha mulher se irritou. «Bolas, isso tudo por causa de uma constipação? Mariquinhas Quando sou eu não me queixo metade.» Mais tarde, nesse dia, fez-me uma canja, mas eu garanto que não pedi. Um homem tem o seu orgulho. Mesmo que esteja às portas da morte.
Detesto clichés de género. Isso de os homens se portarem assim e as mulheres serem assado é um conjunto de patranhas alicerçado por anos de maus hábitos culturais. Não é psicologia. É educação. A menos que… se trate de biologia. Se falarmos de hormonas, sinapses e neurotransmissores que provocam reações diferentes, aí a coisa pia mais fininho. Vai daí, fui procurar. Ao fim de anos a ouvir isto, eu precisava de saber se é mesmo verdade. E de encontrar provas cabais que justificassem que os homens sofrem mesmo mais do que as mulheres quando são atacados pelo bicho da gripe. Nada de pseudociência, campos de energia opostos que tornam os homens mais recetivos a influências negativas do deus do ranho, yin e yang mal equilibrados, criando um canal de sinusite oriundo do centro do universo. Não. Eu precisava de método científico. Aquela coisa da observação-dúvida-hipótese-experiência.
Vai daí, fui ao maior repositório de informação duvidosa à face da terra: o Dr. Google. Encontrei um estudo que dizia que tem tudo que ver com a falta de estrogénio nos homens, o que provoca reações diferentes aos mesmos sintomas. Outra tese dizia que os homens têm mais recetores de temperatura no cérebro e isso torna a experiência mais dolorosa para nós. E também fiquei a saber que a expressão man flu (gripe de homem, em inglês) é usada em alguns países anglo-saxónicos para explicar «queixas exageradas de sintomas». Que disparate!
Pelo sim pelo não, telefonei para um entendido. «Não há nenhuma evidência científica que justifique comportamentos diferentes em homens e mulheres», disse-me o médico Almeida Nunes. «E não tem nada a ver com a maternidade e as dores de parto. O homem queixa-se mais porque a sua tolerabilidade é menor do que a da mulher, que sofreu anos e anos de sujeição psicológica e emocional e, por isso, aguenta mais.» Quer dizer que não é biológico, doutor? Nadinha? «É só uma questão histórico-genética, que torna a mulher mais resistente a estas coisas», disse o especialista em medicina interna. «Elas sofrem o mesmo, mas queixam-se muito menos.»
Bolas! Bom, pelo menos agora posso dizer à minha mulher que não tenho culpa de séculos de subjugação masculina sobre a mulher, e que se ela chora menos é por causa dos genes dela, que estão preparados para sofrer. Mas, pensando bem, não sei se vou marcar muitos pontos com isso…
[Publicado originalmente na edição de 1 de maio de 2016]