Alguém faz uma afirmação. Nesse momento, essas palavras fazem tanto sentido, têm um tipo de pertinência que toda a gente entende. Assim, toda a gente as partilha e gosta (carrega no «gosto»). São milhares de pessoas (fotografias num quadradinho) que partilham e gostam (carregam no «gosto»). Essa ideia é a tendência do dia. Encontram-se amigos novos e antigos nessa caixa de comentários. Partilha-se e gosta-se (carrega-se no «gosto») de comentários feitos à afirmação inicial.
Então, mais cedo ou mais tarde, dependendo da velocidade a que a unanimidade se gerou, chega um esperto, carente de atenção, que faz um comentário a contradizer todos os outros. Começa por haver um certo mal-estar, acabou a eletricidade na festa da concordância, e os convivas entreolham-se em silêncio, tentando perceber o que devem fazer, incapazes de tomar a iniciativa. Mas não se pode voltar atrás. Aos poucos, há quem comece a gostar (carregar no «gosto») do comentário dissidente. A sua coragem é elogiada em novos comentários, a sua legitimidade é considerada e, aos poucos, essa é a nova tendência do dia, e ainda nem chegámos à hora de almoço.
Parece que adormecemos quando criámos o nosso primeiro e-mail e, de repente, acordámos aqui. Como chegámos a isto? Uma opinião não é o mesmo que uma convicção, é muito mais superficial e volátil. Agora, neste tempo, decidimos apenas segundo as nossas opiniões, deixámos de ter tempo para mergulhos profundos. E, por um lado, as nossas opiniões transformam-se à velocidade da informação que consumimos, que é cada vez mais superficial e volátil; por outro lado, as nossas posições públicas dependem tanto da persona que desejamos projetar como das nossas ditas opiniões.
Utilizo a primeira pessoa do plural porque estamos juntos. Não há iluminados que escapem às decisões coletivas, mesmo que se abriguem sob o guarda-chuva sem varetas do seu ego, mesmo que se embriaguem com a ideia de que os «gosto» nas suas afirmações são pessoas a gostarem deles, fotografias num quadradinho a carregarem no «gosto», ilusões a iludirem-se com ilusões.
(Fotografia de José Luís Peixoto)
[Publicada originalmente na edição de 20 de novembro de 2016]