Em 2011, fui ao Turquemenistão. É muito difícil entrar no Turquemenistão, os vistos são caros, difíceis de obter, e só permitem uma estadia de três dias. Há menos gente a entrar anualmente no país do que na Coreia do Norte. E muito menos do que em qualquer um dos seus vizinhos: Irão, Usbequistão, Afeganistão, Tajiquistão, Cazaquistão ou, claro, a Rússia. Eu consegui entrar com um grupo que preparava há anos uma viagem pelo antigo caminho da Rota da Seda, e assim que cheguei a Ashgabat, a capital, percebi que ia mergulhar num mundo paralelo.
Primeira constatação: não é permitido fumar no Turquemenistão desde que o presidente do país deixou de fumar. Em 2000, o então ditador Saparmurat Niyasov foi aconselhado pelo seu médico a abandonar o vício do tabaco e decretou a proibição de consumo de cigarros em todos os lugares públicos. Incluindo jardins, o deserto ou a rua. Também proibiu a ópera, o circo e os cabelos compridos nos homens. Quando a nação se tornou independente da União Soviética, em 1992, autoproclamou-se Turkmenbasi, o líder dos turcomenos.
Niyasov decretou o fim das eleições e o seu estatuto de presidente para a vida, transformou a história da sua vida em letra do hino nacional, atribuiu o próprio nome a cidades, avenidas, estádios e todas as grandes infraestruturas do país. O edifício mais alto de Ashgabat é um monumento que parece o foguetão do Tintim – no topo tem uma estátua de ouro maciço de Turkmenbasi, três vezes o seu tamanho. À noite, ilumina-se com néons coloridos. Ainda antes de morrer, o homem mandou construir um impressionante mausoléu para acolher o seu corpo, em mármore e ouro, o mais luxuoso do mundo. Freud havia de explicar isto.
O Turquemenistão é um país rico, todo o seu território é uma enorme reserva de gás natural, a terceira maior do mundo. O Estado oferece combustível gratuito a todos os habitantes e tem uma política de plena empregabilidade. Uma boa parte dos funcionários públicos são varredores de rua – o que não deixa de ser invulgar, porque a paisagem do país é constituída por dois desertos, o Karakum e o Kysykum, e não é raro ver pessoas a limpar com vassouras caminhos de areia e terra batida. No index de liberdade de imprensa, o país da Ásia Central ocupa o terceiro lugar a contar do fim, numa lista de 180 países. Niyasov morreu em 2006 e foi substituído por Gurbanguly Berdimuhamedow, o seu ministro da Saúde. Mas não se sentiram grandes mudanças. O país continua a não ter meios de comunicação social independentes e é acusado pelas organizações de direitos humanos de prisões arbitrárias, repressão sobre ativistas políticos e jornalistas, censura sobre a internet e as redes sociais. Os delegados da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional foram expulsos do país.
Este ano, no final de agosto, Gurbanguly Berdimuhamedow fez uma rara visita de estado a Berlim, onde se sentou à mesa de negociações com Angela Merkel. Metade da Europa estava de férias, a outra metade andava preocupada com o Brexit ou vociferava contra Durão Barroso, e ninguém perdeu tempo a analisar o resultado do encontro. Na conferência de imprensa conjunta, os jornalistas questionaram a chanceler alemã sobre os temas quentes da agenda europeia, mas nada sobre os acordos firmados entre os dois países. Gurbanguly sabe que o continente precisa urgentemente de encontrar alternativas ao abastecimento de energia russa – que Moscovo ameaça boicotar sempre que há uma crise diplomática. E então veio vender gás natural à Europa. Merkel comprou.
Para suster os críticos, o Turquemenistão autorizou a visita de uma delegação internacional às prisões do país. Só há aqui um problema: uma das regras da UE para o estabelecimento de parcerias financeiras com países terceiros é a promoção do respeito pelos direitos humanos. Ashgabat, aparentemente, não precisa de obedecer a essas regras, bastam medidas de cosmética. Quando a moralista Europa critica os Estados Unidos por travar guerras ou fechar os olhos a ditaduras em nome do petróleo, bem podia parar primeiro e olhar para o seu umbigo.