O caranguejo e a linha do tempo

Notícias Magazine

O andar do caranguejo, segundo os dizeres da minha avó, desafia o tempo, obrigando-o a voltar atrás, quando este apenas quer andar para a frente.

Se o tempo é uma linha, com certeza fica estendida para trás, à medida que se avança. E parece que, de acordo com a sabedoria popular, o caranguejo foi o único que conseguiu fazer a sua marcha à ré no cimo da linha, tal qual equilibrista de circo.

Tanta conversa sobre máquinas do tempo e, afinal, basta sentarmo-nos na carapaça de um caranguejo e voltamos atrás. Voltar atrás, emendar a mão, corrigir erros, fazer o que não tivemos coragem, mudar o que estava mal, transformá-lo em algo bom. Melhorar, mas sem aprender as lições. Como uma mãe que proíbe o filho de andar de bicicleta porque se pode magoar. Viver sem aprender será vida?

Podendo voltar atrás, sabemos o que fizemos de errado, onde falhámos e o que deveríamos ter feito para evitar o nosso mal.

foto-novembroEntão, se não podemos voltar atrás, se a marcha do caranguejo não influencia o correr do tempo, que nos sirvam ao menos os erros passados para que possamos alterar o curso da história futura. Apliquem-se as lições aprendidas às oportunidades que nos apresentam agora e teremos a nossa viagem no tempo. Resgatando os enganos idos, salvamos as decisões presentes e transformamos o que aí vem em algo positivo.

Afinal, sabendo que o ódio, a intolerância ao outro, a ignorância, o desprezo pela cultura e pelas disciplinas humanistas, o combate à liberdade nos levam apenas e só à desgraça, ao sofrimento, à morte, pergunto-me por que raio chegámos onde estamos agora.

Num mundo que é forte com os fracos e fraco com os fortes e onde a solução apontada é erguer muros e mais muros, pergunto-me como é possível que nos tenhamos esquecido dos erros passados que já nos mostraram onde tudo isto nos vai levar.

Ah!, claro, já sei. As lições não foram aprendidas, porque a História e a Filosofia são disciplinas que não interessam para nada. Como se um qualquer caranguejo a soldo de interesses de uns poucos voltasse atrás no tempo e nos travasse a marcha, apagando tudo o que esteve antes, para que não nos pudéssemos defender agora, aqui.

Podemos, sim. Podemos evitar um destino assim, cheio de sofrimento e ódio. Basta que peguemos num livro de história e botemos as nossas cabeças a funcionar. O futuro é nosso, não do caranguejo.

(Fotografia por Ana Bacalhau)

[Publicado originalmente na edição de 13 de novembro de 2016]