Todos sentimos medo. Uns com mais intensidade, outros menos. Podemos não o assumir, mas faz parte da vida. O problema surge quando ele nos limita e condiciona os dias. A solução? Aceitar os nossos medos, entendê-los e afastá-los. Em Fazer do Medo Coragem (ed. Matéria-Prima), a psicóloga Teresa Marta dá umas pistas sobre como o conseguir.
Dizemos «sim» quando queremos dizer «não». Acostumamo-nos ao emprego de anos. Isolamo-nos e vivemos reféns de uma relação quando sabemos que já pouco terá para dar certo. Habituamo-nos ao normal, ao rotineiro, ao que é cómodo. Temos medo de sair, de arriscar, de mudar, de afastar o que nos faz mal. Além disso, temos também receios específicos, alguns consubstanciados em fobias, e outros que nos podem acompanhar durante anos. Ainda que seja difícil assumirmos alguns medos, vamos reconhecendo os sintomas físicos e psicológicos dos mesmos. Cada pessoa lida à sua maneira com isto, mas alguns destes temores podem limitar a nossa vida de forma intensa. Mas, afinal, o que está na sua origem?
«O medo não nasce connosco», diz a psicoterapeuta Teresa Marta. «É mais cultural e educativo do que genético.» Ainda que nos ajude a evitar certas situações de perigo e nos proteja, em determinada altura – está ligado ao nosso instinto de sobrevivência há milhares de anos –, torna-se necessário «fazer a limpeza dos medos que não são necessários na vida porque nos condicionam».
Mas o processo pode transformar-se numa autêntica batalha. Não é fácil. E não se trata de evitar o medo que até pode ser positivo. «O maior perigo para o nosso bem-estar é deixarmos que o medo se instale ao ponto de ficarmos prisioneiro dele.» É o que Teresa Marta chama de medo tóxico, aquele que «passa a controlar os nossos pensamentos, emoções, o que sentimos, como vemos a vida e a forma como reagimos». Daqui à construção de várias histórias irreais e da realização de verdadeiros filmes de terror vai um pequeno passo. «Convencemo-nos de que determinada história é verdadeira e não saímos deste ciclo.» A psicologia elege então o medo como «uma emoção que adoece», pois sente-se no corpo, ao ser acompanhado de sintomas físicos angustiantes. Mas é possível sair deste processo. Podemos ser realizadores de filmes da nossa própria vida mas não precisamos necessariamente de escolher o terror ou o drama.
Teresa Marta lançou recentemente o livro Fazer do Medo Coragem (ed. Matéria-Prima), no qual dá algumas pistas para combater este verdadeiro «ciclo viciante» em que se pode transformar a nossa existência, se deixarmos que os nossos receios controlem a nossa vida. São quase duzentas páginas que ajudam a refletir sobre as consequências do medo na nossa vida, diferenciando o que é natural do que é patológico. A autora conduz-nos ainda a uma abordagem sobre gratidão, desapego, coragem, através de exemplos práticos dados por testemunhos de quem segue em consulta.
Desaprender o medo
O tema é amplamente abordado na comunicação social, nas redes sociais, em conversas de circunstância e em desabafos sérios. Não é por falta de informação disponível que não se sabe mais sobre o medo. Nem tudo é verdadeiro. Mas (quase) tudo nos pode ajudar a refletir. Há milhares de referências na internet, citações, poemas, frases. O medo inspira escritores, jornalistas, empreendedores, gestores, profissionais de todas as áreas. Camões dizia que «nos perigos grandes, o temor é muitas vezes maior do que o perigo» e Shakespeare chamava a atenção para a temática: «As nossas dúvidas são traidoras e fazem-nos perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar.»
Há uma boa notícia: «99% dos medos não são reais, são meras construções mentais», diz a «coach de coragem» – conceito que tem vindo a desenvolver nos últimos anos – no livro. O que é importante é identificar o que originou determinados medos e tomar consciência deles. Esse é o primeiro passo para uma vida mais confiante e feliz. «Devemos perguntar-nos qual o grau de realismo do medo. Se deriva de algo pelo qual a pessoa passou e experienciou ou se é fruto de histórias que lhe contaram ao longo dos anos.» Ao fazer isto, estará a dar o primeiro passo para o «Plano Pessoal da Coragem» delineado por Teresa Marta e composto por uma tríade: pensamentos, sentimentos e ação. É a vida a acontecer e a permitir que cada pessoa aposte na coragem em enfrentar e aceitar o desconhecido. «É difícil assumir que o medo nos limita e, por vezes, nos paralisa.» Para trabalhar a coragem é necessário sair da zona de conforto e este é um processo que implicará «desconforto e dor. O maior crescimento ocorre quando assumimos situações difíceis e seguimos em frente, mesmo quando parece que tal tarefa é impossível».
Agir, agir, agir. Substituir os pensamentos por ações. Eis uma das formas de afastar o(s) medo(s). Estar disposto a mudar e a tentar. Mesmo desistir pode ser um ato de coragem apesar de termos crescido a ouvir continuamente que «só os fracos é que desistem». Teresa Marta não concorda: «Também é preciso alguma coragem para desistir. Há corajosos que, por vezes, desistem conscientemente de um determinado processo que já não lhes faz bem, que lhes retira energia e que podem acabar por vir a ser benéficas para assumir uma nova responsabilidade.»
Escolher aquilo que lhe faz bem e não o que os outros irão apreciar em si, respeitar a sua vontade e sentir-se merecedor da mesma, aprender a dizer «não» e eliminar os típicos «e se…?» dos pensamentos e discursos são algumas estratégias fundamentais para prevenir que o medo se instale. «Amplie o seu mundo, conheça novas pessoas e novas realidades, coma alimentos que o façam sentir bem, foque-se no presente e naquilo que não pode controlar, tranquilize o seu coração e aprenda a deixar fluir os acontecimentos negativos», diz Teresa Marta. E ainda que determinada situação seja difícil de superar e dolorosa por si, tente investir à mesma em pensamentos positivos. «Brinque com a vida e com as adversidades.» Este é um dos passos mais determinantes para a sua «cura emocional».
Saber agradecer
Muito se fala também da gratidão e da importância de ser grato. Valorizar o que se tem, o que a vida lhe dá pode ser essencial neste processo. Se não se sente confortável a agradecer ou se não costuma pensar muito nesse tema, Teresa Marta dá uma ajuda: «Comece por agradecer a cinco pessoas a cada dia e a sentir-se grato por cinco coisas por dia. Pense nisso ou escreva, não precisando de o partilhar com ninguém em particular.» Este processo de «cinco + cinco» parece difícil, mas se refletir por momentos na quantidade de coisas boas que lhe aconteceram no dia, daquilo que viveu bem ou nas pessoas que lhe transmitiram algo de positivo, verá que a tarefa é recompensadora.
Preparado para contar novas histórias? Para mudar o diálogo negativo para positivo? Para agradecer o que a vida lhe dá? Para fazer do medo coragem? Se respondeu que não à maioria das questões, não se preocupe. É natural. Começar este caminho leva o seu tempo, não se faz de um dia para o outro, mas o importante é não ficar parado. Teresa Marta tem consciência de que «não é nada fácil» mas garante que vale (muito) a pena tentar.
QUEM É TERESA MARTA?
Mestre em Psicoterapia Existencial pelo Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa, pós-graduada em Marketing de Serviços pela Universidade Católica Portuguesa. Durante vinte anos foi gestora em empresas de media e comunicação, banca, seguros e tecnologias de informação, até criar, em 2013, a Academia da Coragem, da qual é fundadora e CEO. Autora do blogue Teresa Sem Medo (teresasemmedo.blogspot.pt) e da página de Facebook com o mesmo nome, com mais de 25 mil seguidores. Atualmente desenvolve atividade como «coach da coragem», conceito que criou e desenvolveu. Fazer do Medo Coragem é o seu primeiro livro.
PLANO PESSOAL DA CORAGEM
IDENTIFICAR OS SINAIS
– Identifique se está a viver relações manipuladoras das quais não está a conseguir sair.
– Fique atento aos sinais do seu corpo e às histórias que lhe contam.
– Tenha sempre em mente que a realidade é uma interpretação.
– Afaste-se de pessoas abusivas na sua vida, apóstolos da desgraça e catastróficas.
– Se após um mês de trabalho não verificar qualquer mudança, reavalie estes pontos.
PASSO A PASSO
– Comece por fazer uma lista dos seus medos.
– Leia e atribua um valor entre 1 e 5 a cada medo que tiver identificado (1 para «reduzida probabilidade de acontecer» e 5 para «elevadíssima probabilidade»).
– Guarde a lista de medos com a classificação que atribuiu a cada.
– Dentro de um mês recupere a lista e verifique se mantém a mesma pontuação para cada medo.
– Para os medos que ainda se mantiverem válidos, reescreva-os começando a frase por: «Eu consigo ultrapassar o medo de (…)», se fizer (…) e vou fazê-lo (…).»
– Estabeleça prazos de concretização para estas ações.