Quando escrevo esta crónica ainda não sei se Portugal vai disputar a final do Euro 2016 com França ou Alemanha. Seja qual for o oponente, vamos pela primeira vez entrar em jogo nesta competição sem estatuto de favoritos. Os germânicos são campeões do mundo em título, os gauleses jogam em casa e nunca perderam uma competição que tivessem organizado. Nós, para chegarmos aqui, tivemos de subir uma montanha. Mas também é verdade que o fizemos contrariando equipas com ranking inferior ao nosso. Agora vem o troço mais íngreme. Vamos ter de tombar um gigante.
Domingo, às oito da noite, vamos ver muito mais do que um jogo de futebol. Em campo estará a Seleção de um país que nos últimos anos viveu uma das piores crises da sua história, que sofreu um empobrecimento brutal, que viu as suas gerações mais preparadas fugirem para outras paragens. E é muito simbólico que joguemos em Paris, a segunda cidade portuguesa, o lugar onde há 50 anos desaguaram gerações inteiras que fugiam da guerra, da ditadura e da pobreza. Então eu digo isto: a nossa glória de domingo é a glória dos trolhas e das porteiras, dos licenciados que não arranjam emprego, dos velhos que não têm dinheiro para medicamentos. Repito: isto não é só um jogo de futebol. Isto é um dia para nos orgulharmos de quem somos, mesmo quando o resto do mundo diz que não valemos um chavo.
O nosso inimigo em campo não é França, nem é a Alemanha. É toda a austeridade que sofremos, é toda a humilhação por que passámos, é chamarem-nos abaixo de lixo. Domingo é dia de vivermos acima das nossas possibilidades. Temos de jogar contra o ministro das finanças alemão. Temos de jogar contra o extremismo racista de Le Pen. Temos de jogar contra a falta de solidariedade europeia. Temos de mostrar que uma equipa de portugueses ciganos, portugueses brasileiros, portugueses africanos e portugueses de classes baixas é melhor do que qualquer discurso xenófobo. Tombem o gigante, rapazes, conquistem a montanha, ou pelo menos morram a tentar. Domingo é nosso, aconteça o que acontecer. Estamos vivos, mostrem-nos, mostrem-lhes. E se não ganharmos, que se foda.