Francisco Menezes: o embaixador que escreve canções

Francisco Menezes

Governo precisa-se. Seis meses depois de um longo impasse político, os espanhóis regressam hoje às urnas. Francisco Ribeiro de Menezes, embaixador de Portugal em Madrid, garante que Espanha continua a viver um momento histórico. Ponto de partida para a entrevista a um diplomata improvável: foi chefe de gabinete de um primeiro-ministro do PSD (Passos Coelho), esteve nas equipas de dois governos do PS, foi letrista e fundador dos Sétima Legião, continua a escrever canções quando lhe pedem e tem poesia na gaveta para publicar.

Tal como o pai, é diplomata de carreira e ha­bituou-se cedo, de criança, à «vida de sal­timbanco» – de França a Buenos Aires, de Washington na Lisboa. Já esteve em Estocol­mo, agora trabalha em Madrid. Francisco Ribeiro de Menezes, 50 anos, é desde 2014 embaixador em Espanha, país que tenta desatar o nó eleitoral de 20 de dezembro. «A única coisa que falta agora é um novo go­verno espanhol para pormos a bola a rolar.»

A última sondagem publicada pelo El País [12 de junho], que faz uma comparação com os resultados das eleições de 20 de dezembro, mostra que o PP se mantém um pouco acima dos 28%, o PSOE perto dos 21%, o Ciudadanos na casa dos 15% e o Podemos, agora em coligação com a Esquerda Unida, sobe para os 25%. Teme que o impasse eleitoral se mantenha?
A coligação entre Podemos e Esquerda Unida tem potencial para colher dividendos, em número de votos e de mandatos, mas há uma campanha em curso e há espaço para uma evolução do posicionamento do eleitorado, tanto mais que uma parcela desse eleitorado diz estar hesitante ou indeciso. Em qualquer caso, não se trata de temer, mas de esperar por um resultado para ver quais serão os novos equilíbrios.

Vislumbra agora algum tipo de coligação pós-eleitoral que não foi possível há seis meses?
É prematuro responder. O que me parece é que o facto de haver duas eleições legislativas com um intervalo de seis meses faz que o eleitorado tenha uma memória mais fresca daquilo que foi o balanço e das consequências das eleições de dezembro.

Como é que analisa este período entre eleições?
A partir da embaixada, seguimos o que se passou com a maior atenção. Houve uma tentativa de formação de governo, como consequência de um acordo entre o PSOE e o Ciudadanos, esse projecto de governo não conseguiu o respaldo necessário nas Cortes para poder ser investido e isso determinou, nos termos constitucionais, a dissolução das Cortes. Foi um período de debate político intenso – cada partido procurou fazer valer as suas convicções e os seus programas, mas esses esforços não foram coroados de sucesso.

Como tem sido vista em Espanha a chamada «solução portuguesa» que saiu das composto pelo PS, o segundo partido mais votado, com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do PCP?
A dita «solução à portuguesa» foi muito comentada em Espanha nos primeiros tempos que se seguiram às eleições de 20 de dezembro, mas o rumo da discussão mudou e os contornos do que aconteceu em Portugal perderam relevância no debate político ao ponto de praticamente não se falar nisso.

Se o impasse se mantiver, como é que pode ser solucionado? Uma terceira eleição em breve é um cenário possível?
Vamos lá ver. Do ponto de vista jurídico-constitucional continua a ser possível. Uma vez conhecidos os resultados, o calendário constitucional recomeça com o conta-quilómetros a zero. Ao contrário do que aconteceu em dezembro, é visível na sociedade, no posicionamento das grandes instituições espanholas e no discurso público dos principais partidos a vontade, o anseio de formar governo e estabelecer os entendimentos necessários para evitar o recurso a uma terceira eleição. Aliás, ao longo dos últimos meses chegou a pensar-se que caso se avançasse – como se avançou – para segundas eleições, a abstenção em Espanha pudesse subir de forma significativa. Não é isso que as sondagens tendem a apontar.

Dizia-me, antes de começarmos a entrevista, que Espanha vive um dos momentos mais extraordinários da sua história.
Há uma mudança do mapa partidário e há o facto inédito de ter sido necessário convocar segundas eleições para clarificar aquilo que as primeiras não puderam fazer; tudo isso aponta para Espanha, enquanto Estado moderno, democrático, estar a viver um acontecimento histórico da sua vida. Na sua tradição da Constituição de 1978, Espanha nunca se confrontou com uma situação desta natureza. Sempre se soube quem tinha ganho as eleições e quem formaria governo, com ou sem maioria absoluta.

De que forma a crise económica e financeira influenciou este novo cenário político espanhol?
A crise teve um efeito grande na sociedade espanhola, mas o impacte foi menor do que em Portugal. Aliás, Espanha esteve sujeita a um resgate concreto direcionado ao setor bancário e não a um programa de resgate com todos os ingredientes, o que lhe deu mais capacidade de manobra. A crise produziu o desgaste das forças políticas no poder, que não alcançaram maiorias absolutas por causa disso. O resultado foi o de um realinhamento do eleitorado um pouco mais à esquerda. Outro dado que emergiu foi o conhecimento de variadíssimos casos de corrupção que afetaram a sociedade no seu conjunto. Não creio, com honestidade, que a tinja mais um ou outro partido, mas colocou em causa, de certo modo, o bipartidarismo da sociedade espanhola e chegámos a uma situação em que, ao invés de Portugal, esse descontentamento se materializou no aparecimento de dois novos partidos: o Ciudadanos, imediatamente à esquerda do PP, e o Podemos, imediatamente à esquerda do PSOE.

O entendimento entre Lisboa e Madrid está dependente da solução de governo?
O entendimento entre Portugal e Espanha ultrapassa sempre a cor política dos governos. Temos um grau de cooperação que abrange praticamente a totalidade das áreas da governação. Para mais tem existido historicamente uma relação muito forte a nível dos chefes de Estado. Para relançar esta relação e retomar a intensidade de contactos a nível político a única coisa que falta é que emerja um novo governo de Espanha e que ponhamos a bola a rolar.

Falemos agora da sua biografia. É verdade que os Sétima Legião nascem de uma correspondência sui generis? As cassetes chegavam-lhe a Washington por mala diplomática, escrevia as letras e enviava de volta para Lisboa.
Exatamente. Os Sétima Legião começaram em 1982. Nessa altura eu frequentava um liceu em Washington, uma vez que o meu pai era diplomata na embaixada. A banda formou-se em Lisboa e as canções eram cantadas em inglês. Comecei a escrever letras em inglês e chegavam-me algumas cassetes, ora por correio, ora através da mala diplomática. Eu ouvia, mandava rascunhos e tudo se acelerou no princípio de 1983 quando foi gravado o primeiro single.

Foi um dos membros fundadores da banda?
Nesse sentido sim. Os Sétima Legião começaram como um grupo mais pequeno. O meu primo Pedro Oliveira cantava e tocava guitarra, o Rodrigo Leão no baixo, o Nuno Cruz na bateria, o Paulo Marinho tocava gaita-de-foles e eu escrevia as letras a partir dos Estados Unidos. As coisas aceleraram quando em 1983 foi gravado um
primeiro single [Glória/Partida] para a recém-criada editora Fundação Atlântica. O Miguel Esteves Cardoso escreveu a letra. Tinha de ser lançado em português e eu ainda estava em Washington. A partir daí tivemos de começar a trabalhar em português. Para mim foi um salto muito grande. O primeiro disco, A Um Deus Desconhecido, foi gravado em 1984, todo na nossa língua.

«O Francisco não era só letrista, fazia parte da banda, discutia tudo: a música, a roupa, ia até às entrevistas.» A frase, retirada do jornal Público, é de Miguel Esteves Cardoso. Era assim, de facto?
Foi sempre um trabalho muito coletivo. Sempre trabalhámos a partir da música, com três ou quatro exceções. Só depois decidíamos se cada tema seria cantado ou não. Começávamos a trabalhar na melodia da canção, eu mais diretamente com o Pedro, com o Rodrigo e mais tarde com o Gabriel Gomes. Havia sempre uma discussão coletiva sobre o que é que pretendíamos fazer, para que lado é que iam os arranjos, como é que as músicas eram alinhadas nos álbuns, os títulos das canções, as capas.

O que recebia na mala diplomática era esse primeiro material musical?
Sim. O meu primo, Pedro Oliveira, cantava numa língua mais ou menos inventada…

Como assim?
Com umas tonalidades de inglês que depois tínhamos de transformar em letras com princípio, meio e fim. O grande salto como banda aconteceu em 1984 quando se gravou o A Um Deus Desconhecido. Foi a primeira experiência grande de estúdio, a responsabilidade de fazer um álbum, de escrever tudo em português. O Miguel Esteves Cardoso estava muito presente e gostava de ver o que fazíamos, de ler o que escrevíamos, de perceber como é que as coisas soavam. O Miguel era um ídolo para nós. Creio que continua a ser.

Como era a ligação com Miguel Esteves Cardoso?
O Miguel, juntamente com o Ricardo Camacho e com outros, estava a formar uma editora, a Fundação Atlântica. Por causa do ruído que começava a existir em torno dos Sétima Legião, houve uma tarde em que eles nos foram ouvir e gostaram muito. Foi a partir daí que começou essa faceta mais séria, mais permanente da banda.

Lembra-se do que é que ele dizia sobre as suas letras?
Lembro-me que tive o seu beneplácito…

A sua colaboração com os Sétima Legião continuou até ao fim?
Sempre. Nesta última digressão dos trinta anos [2012] apareci mais em palco a tocar teclas. O reencontro foi muito divertido. Algumas canções continuam muito presentes para várias gerações. É motivo de grande satisfação e de orgulho.

Continuou a escrever para os Madredeus, para os Cindy Kat, a banda de Pedro Oliveira, seu primo.
Sim, nunca deixei de escrever.

As letras que escreve são a pedido?
Normalmente são a pedido. Como aconteceu com os Cindy Kat, com o primeiro disco da Pilar Homem de Melo, como aconteceu com outras coisas menos conhecidas. Sempre escrevi e espero continuar a escrever. Talvez um dia mostre.

Isso significa publicar um livro?
Talvez.

Ficção? Poesia?
Poesia.

Tem muitos papéis na gaveta? No computador?
Tenho alguma coisa. Sou mais de gavetas do que de computadores. Vou tentar arrumar as coisas e ver se alguém quer…

O seu irmão, o historiador Filipe Ribeiro de Menezes, diz que sempre o viu a escrever poesia, quer em português quer em inglês. Continua a ser assim?
Não. Escrevo agora muito mais em português. Mas o inglês ficou também por causa desta vida de saltimbanco, de filho de diplomata. Nesse aspeto tive sorte. Em pequeno fui para França – a minha avó paterna era francesa – e o francês andou sempre lá por casa. Depois fomos para Buenos Aires e aprendi a escrever em castelhano. Fiz o liceu em Washington e o inglês é uma língua com a qual trabalho quase diariamente.

O que mais o encantava nessa «vida de saltimbanco»?
Quanto mais crescia mais difícil se tornava a adaptação, mas conservo memórias muito felizes do tempo que vivi na Argentina, de onde saí com 8 ou 9 anos. Lembro-me do prazer de aprender e dominar a língua inglesa e de dar por mim a sonhar em inglês. Os anos passados em Washington foram muito importantes. O tipo de ensino encorajava-nos a manter um olhar atento sobre o que se passava à nossa volta. Tinha amigos e colegas de várias nacionalidades.

A relação com o seu irmão e com os seus pais sempre foi próxima?
Sim, embora esta vida produza também algum desenraizamento. O meu irmão vive na Irlanda há quase trinta anos, onde começou a carreira universitária, mas mantemos o contacto e visitamo-nos. Estivemos todos juntos até à grande separação, quando eu fui para a Faculdade de Direito de Lisboa.

Era a primeira vez que se separava da sua família?
Sim. Antes tinha períodos de três ou quatro meses sem ver os meus pais, o que para um miúdo era uma eternidade. Custava muito.

Mais influenciado pelo pai ou pela mãe?
É muito difícil responder. Sou uma síntese dos dois. Tenho o lado intuitivo da minha mãe e um lado mais analítico do meu pai. A minha mãe estudou Direito com o meu pai, depois casaram e fez a opção de acompanhar a carreira dele.

No seu caso, optou por seguir um caminho semelhante ao do seu pai.
Direito era uma escolha lucidamente conservadora e permitia o acesso a várias opções. Rapidamente percebi que não estava fadado para uma vida académica ou para as profissões jurídicas.

Como é que percebeu que não ia por aí?
Sempre tive muito gosto pelas questões internacionais. Pouco tempo depois de terminar a licenciatura abriu um concurso para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde comecei formalmente a trabalhar em 1990.

Em 1996 vive a sua primeira experiência de gabinete com um governante, Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros. Para um diplomata significava entrar num mundo muito diferente?
Muito diferente. Tive a sorte de me ter estreado nessas funções com um dos mais completos ministros dos Negócios Estrangeiros. Estive com Jaime Gama durante quase seis anos e aprendi muito sobre a arte da diplomacia. Nessa altura, trabalhávamos no quadro que tinha resultado do Tratado de Maastricht, estávamos na reta final para a qualificação de Portugal para o euro – não o que se joga, mas o que circula – e atravessámos um período extraordinário que foi todo o processo que levou à independência de Timor.

Em 2006 volta a integrar o gabinete de um ministro socialista dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado.
Sim, quando o professor Freitas do Amaral deixou o lugar de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado foi para as Necessidades e eu comecei a trabalhar como chefe de gabinete. É um político muito intuitivo e com uma capacidade de antecipação dos grandes movimentos internacionais como poucas vezes vi.

Como é que surgiu a possibilidade de ocupar pela primeira vez o cargo de embaixador?
O tempo foi passando, fui sendo promovido e ao fim de quatro anos a trabalhar com o Luís Amado apareceu a possibilidade de seguir para Estocolmo. Por mais fascinante que seja o trabalho de gabinete, a vocação de um diplomata é estar fora e representar o seu país. Antes disso existiram um ou duas oportunidades que acabaram por não se concretizar por razões práticas e de timings. Houve uma que me ficou atravessada: a possibilidade de ser embaixador no Egipto. Teria estado no Cairo no auge da Primavera Árabe. Tive pena, até por causa de outras influências que me levaram para a carreira diplomática, como O Quarteto de Alexandria, do escritor Lawrence Durrell, que gira em boa parte em torno da figura de Mountolive, o embaixador inglês no Cairo. Achava fascinante.

Porque é que não foi?
Não dava jeito naquela altura, o embaixador não tinha saído ainda e depois apareceu Estocolmo, uma capital europeia que não podia ser deixada sem embaixador por muito mais tempo. Avancei.

Não chegou a estar um ano em Estocolmo porque em 2011 é convidado para chefiar o gabinete do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Foi uma surpresa?
Foi. Completa. Conheci-o através da minha mulher [Teresa Leal Coelho] que trabalhava com ele há anos em várias iniciativas.

Consegue perceber o que levou Passos Coelho a convidá-lo?
Penso que o primeiro-ministro quis mudar alguns sinais.

Sinais?
De respeito e de governar com a administração pública, de que a carreira diplomática é uma das componentes. Queria alguém com experiência de gabinete – e eu já levava mais de dez anos –, que fosse visto e recebido como uma nomeação não política…

Ou não partidária?
Ou não partidária, nesse sentido. Pode acontecer que, em algumas conversas que tivemos muito antes desse convite, eu tenha dito qualquer coisa de que ele tivesse gostado, mas a pessoa mais indicada para responder a essa pergunta é ele e não eu.

Nessas conversas falavam de política?
Eram conversas em meios sociais, em casa de amigos. Falávamos um pouco sobre o que se estava a passar no mundo, na Europa… Ter alguém que representasse alguma mais-valia naquilo que ia ser uma agenda internacional complicada terá sido tido em conta.

Falou de agenda internacional. Em 2011, uma diplomata não identificada dizia ao jornal Público que o facto de o senhor ser diplomata permitia ao primeiro-ministro ter ao pé de si alguém que sabia «ler a cabeça de Merkel». Era esse um dos seus atributos?
Não telepáticos, seguramente. Para qualquer diplomata português era razoavelmente fácil, nos primeiros meses de 2011, ter uma visão informada sobre o que eram os vários pontos de vista europeus sobre a realidade portuguesa – e eram muito pouco animadores.

Não é muito habitual um primeiro-ministro escolher um diplomata para chefe de gabinete.
O primeiro-ministro José Sócrates teve o Pedro Lourtie, que depois foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus e é hoje embaixador na Tunísia. O meu sucessor foi um diplomata, o Gilberto Jerónimo. Os diplomatas estão habituados a ter capacidade de diálogo, a falar com toda a gente e a ter algum desassombro…

Político? Partidário?
Não, desassombro no contato. Falar com um ministro é uma coisa natural, essa convivência, esse à-vontade, esse jeito que vamos adquirindo para nos moldar ao nosso interlocutor. José Paulouro das Neves, um dos grandes embaixadores portugueses, dizia que um diplomata tem o dever de dizer aquilo que as suas autoridades mandam dizer procurando não ofender os seus interlocutores e tem o dever de relatar aquilo que ouve às autoridades que representa mesmo correndo o risco de as ofender. Isto explica porque é que os diplomatas podem ser mais-valias em gabinetes.

Como é que essa arte diplomática o ajudou em casos como a decisão «irrevogável» de Paulo Portas, a demissão de Vítor Gaspar, a saída de Miguel Relvas?
O que está em jogo aí é de muito maior envergadura do que aquilo que se encontra no escopo das atividades de um primeiro-ministro e de um chefe de gabinete. Posso dizer-lhe, com honestidade, que aquando da crise do verão de 2013 foi com grande preocupação que vi a decisão do dr. Paulo Portas. Fiz parte de um grupo de pessoas que terão pedido que reconsiderasse. E, felizmente, depois acabou por haver a grande recomposição do governo e…

Queria tentar perceber, em concreto, como é que se essa vocação diplomática ajudou o gabinete do então primeiro-ministro a enfrentar algumas das maiores crises políticas da sua legislatura?
Pode ajudar, mas em todos os outros casos de que me fala não tive qualquer intervenção direta e, de resto, também sabemos que a demissão do dr. Paulo Portas teve muito que ver com a saída do ministro das Finanças. As minhas funções eram outras.

Quando aceitou o convite tinha a noção do que o esperava?
Sabia que ia ser complicado mas não sabia que ia ser tão difícil. O gabinete do primeiro-ministro trata da sua agenda, do seu relacionamento com a sociedade civil, com os autarcas, com a Assembleia, com a Presidência da República. É absolutamente determinante na coordenação interministerial a vários níveis.

Duas das funções que mencionou – relacionamento com a sociedade civil e coordenação interministerial – foram dos pontos mais polémicos da ação governativa. Como é que lidou com isso?
É preciso enfrentar as coisas, arregaçar as mangas e tratar de resolver. Aqui em Espanha, onde exerço funções há praticamente dois anos, uma das coisas que me referem com frequência é a resiliência e a capacidade de resistência e de adaptação dos portugueses. O grau de exigência do programa de assistência económica e financeira foi algo a que o nosso país não estava habituado. Independentemente do processo de calibragem da mensagem e da forma como as coisas foram sendo transmitidas para a opinião pública, era inevitável que as medidas iriam suscitar esse descontentamento.

Mencionou a calibragem da mensagem. Não foi também esse um problema para o antigo primeiro-ministro?
O primeiro-ministro falou sempre de maneira a não camuflar, a não esconder a natureza dos problemas que o país enfrentava. Todos estávamos cientes de que essas críticas existiam.

Falava com Passos Coelho sobre isso? Aconselhava-o?
Um chefe de gabinete fala de praticamente tudo com o primeiro-ministro, ainda que eu considere que o nosso trabalho é tornar a vida tão isenta de interrupções e de distrações quanto possível para quem decide. O lado de antecipação dos problemas, de apagar um fogo antes que ele ganhe outras proporções foi o meu trabalho durante esses anos. Claro que conversávamos sobre a calibração das mensagens e sobre os debates quinzenais, mas a decisão pertence sempre ao primeiro-ministro.

Enquanto chefe de gabinete, qual foi o momento mais delicado para si?
Foi a convulsão do verão de 2013, sem dúvida. No entanto, o mais difícil foi mesmo o meu processo interno de digerir que tinha deixado a carreira diplomática ativa.

Alguma vez se arrependeu?
Não. Os diplomatas são formados para procurar ajudar.

Concorda que a política externa portuguesa ficou dominada pela vertente económica, de captação de investimento?
Não. A diplomacia portuguesa das últimas décadas sempre teve essa vertente económica. Se a crise acrescentou alguma dimensão nova foi a de nos vermos confrontados com a necessidade de entender todo um novo mundo concetual. Eu percebo que se dê importância à vertente económica da atividade diplomática, isso é determinante para um país como Portugal que depende largamente da internacionalização da sua economia e da captação de investimento estrangeiro para crescer.

É o que acontece com a embaixada portuguesa em Espanha?
Como embaixador em Espanha, o acompanhamento das empresas portuguesas, a promoção de produtos portugueses, de Portugal como destino turístico e destino seguro de investimento é fundamental. Espanha é o nosso primeiro mercado, o nosso primeiro cliente, o nosso principal fornecedor e vende mais para Portugal do que para a América Latina no conjunto, o que pouca gente sabe. Tenho de dedicar boa parte do meu tempo a esse lado, mas há outros. Não creio que os últimos governos tenham alicerçado a sua política externa de uma forma tão concentrada na parte económica.

Não considera que houve uma subalternização da dimensão política?
Não tem sentido convencer um investidor a ir para Portugal se não formos capazes de explicar onde é que nos situamos e aquilo que somos. Não estaria a fazer bem o meu trabalho se não desse atenção, por exemplo, à promoção cultural, à política de ensino do português e da valorização da língua portuguesa em Espanha – temos mais de trinta mil estudantes de português, temos uma cátedra nova a ser criada, a cátedra Mário Cesariny na Universidade das Canárias.

Conseguirá dizer «não» a um convite para voltar ao gabinete de um governo?
A minha época de gabinetes está feita. É um trabalho brutal e, para fumadores ocasionais como eu, não faz grande bem à saúde.

 

UM INÉDITO DOS SÉTIMA LEGIÃO?

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Em 1984, gravaram o álbum de estreia em português, mas as primeiras letras dos Sétima Legião eram em inglês. Todas escritas por si?
Sim. Há um dado engraçado: em 1984, ainda se pensou que o nosso primeiro álbum pudesse vir a ser lançado fora de Portugal. Algures nos estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço d’Arcos, estarão ainda – espero – as gravações de A Um Deus Desconhecido cantado com letras alternativas em inglês. Mas isso acabou por não ir para a frente.

Nunca foi editado?
Não.

Isso significa que há um disco inédito dos Sétima Legião?
Há um inédito, é verdade.

E já alguém tentou encontrá-lo?
Já nos interrogámos muito sobre isso e, aparentemente, é algo que se perdeu. Eu próprio tenho vontade de ouvir o que é andava a escrever em inglês naquela altura.