«É uma daquelas coisas do Siza, ele já me explicou três vezes e ainda não consegui perceber.» Na fotografia, um pormenor do exterior do Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso, uma coisa tão ligeira que eu não daria por ela se não fosse a divertida conversa de Eduardo Souto de Moura na última noite da apresentação internacional da Casa da Arquitetura, no fim de semana passado, em Matosinhos. A sala estava cheia de arquitetos, só faltavam os três italianos que tinham ficado diante do plasma gigante do restaurante a sofrer com o jogo contra a Alemanha. Nós espreitávamos os telemóveis à espera de notícias que tardavam. Vão a penáltis, o que nos fazia lembrar a Polónia uns dias antes e o voo de Rui Patrício.
Adiante. Estava no plasma ainda mais gigante à frente dos nossos olhos aquele pormenor do museu concebido por Álvaro Siza e Souto de Moura, não propriamente a quatro mãos porque cada um fez uma parte e juntaram-se no ponto onde as duas alas se ligam. O conjunto foi inaugurado em maio, mas a história começou há 25 anos, quando o escultor Alberto Carneiro propôs à Câmara de Santo Tirso fazer um simpósio de escultura. E agora é como se Santo Tirso fosse um museu a céu aberto, aquela cidade que sempre imaginei com fábrica de têxteis a produzir quilómetros de tecidos. Agora juntou a escultura contemporânea num dois em um com o museu de arqueologia Abade Pedrosa. Souto de Moura mostrou imagens das vitrinas suspensas onde cerâmicas antiquíssimas repousam e se mostram, naquela noite em que os alemães conseguiram ultrapassar os italianos. Só a ideia das vitrinas suspensas, mágicas, dava logo vontade de ir a Santo Tirso, mas era de noite e havia mais coisas para ver no nosso plasma.
Portanto, no dia seguinte rumei a Santo Tirso. Queria ver a arqueologia, as esculturas contemporâneas, os dois museus e, claro, aquele pormenor de que Souto de Moura falou com tanta graça. A estrada estava quente, o ar condicionado a equilibrar no interior, e num instante cheguei. Tinha ido antes ver a exposição de Álvaro Siza em Serralves, no meio das muitas pessoas que faziam esse mesmo passeio, até porque era o primeiro domingo do mês e portanto a entrada era gratuita. Lembrei-me da frase que ouvi no dia anterior, dita pelos arquitetos – peço desculpa, não me lembro de qual, mas havia consenso: o inacreditável em Siza é que ele foi precoce a vida toda. Desde que, ainda estudante, imaginou a Casa de Chá da Boa Nova, felizmente hoje por ele recuperada e a funcionar, até agora, às sucessivas obras que cria pelo mundo fora.
E isso percebe-se na pequena exposição de Serralves, onde vemos sobretudo moradias feitas desde os anos 1960 e também os desenhos para o edifício da própria fundação. Os primeiros esboços, os desenhos no meio de cálculos, os recantos, as janelas, as escadas, os espaços de jardim, a dimensão humana. Os pormenores. Como o que me levou a Santo Tirso naquele domingo de calor intenso e sufocante, no domingo passado. No fim de contas, a única coisa que vi, naquele volume encostado ao Mosteiro de São Bento onde a missa decorria, foi o pormenor, aquele ressalto, não sei como chamar-lhe, aquele gesto talvez. Mas estavam 35 graus à sombra e o museu só abria às duas da tarde. E o regresso a Lisboa era necessário. E agora tenho de voltar lá.