Devido às cedências ao «politicamente correto» a razão fenece, a ignorância floresce e o mundo apodrece. Temos, pois, a obrigação de o enfrentar. E não é fácil, porquanto ele anda por aí, montado na mula da necedade e do populismo, aproveitando todas as oportunidades para suprimir a vigilância crítica.
Desta feita, os arteiros criam a cabala de que a atuação lusitana nos Jogos do Rio foi um fiasco. A partir daqui, desatam a ofender dirigentes, técnicos e atletas. Até pessoas de alma lavada caem na esparrela. Não se apercebem da perversa novilíngua dos maníacos do empreendedorismo, dos rankings, do sucesso e quejandos, em cujo dicionário só conta o número 1; o resto é atirado para o caixote do lixo.
Aos responsáveis políticos pelo setor competia denunciar os figurões. Escusam-se a tal. Chegam ao poleiro pela escaleira partidária, sem o saber exigido para o exercício nobre da função. Logo, têm medo dos peritos do «achismo»: uns opinam sobre tudo, inclusive o que escapa ao domínio da sua formação; outros dedicam-se à caça ad hominem e ao ajuste de contas, agem como lacraus, destilando o veneno da insídia e do insulto sobre gente proba e honrada. Eis a prática de eleição dos «desportistas» de alcofa! Esta turba confunde e manipula a opinião pública, atirando para o ar os 13,5 milhões de euros gastos com o nosso ciclo olímpico, e não reparando que na Espanha a verba foi de 177 de orçamento público e 311 de dotações privadas!
Urge, portanto, pronunciar palavras de reparação dos ofendidos, nomeadamente dos atletas. Durante duas semanas competiram e deram o melhor de si por todos nós, esgotando as suas forças. Carregaram o fardo dos nossos sonhos, esperanças e ilusões, visando sublimar frustrações e humilhações. E colocaram o seu nome e o de Portugal entre os melhores, em várias modalidades (canoagem, judo, ginástica, ciclismo, hipismo, ténis de mesa, triplo salto, maratona feminina, natação, triatlo, taekwondo, marcha, vela, futebol). Enfim, lograram uma panóplia de resultados de superior valia no presente e com boas perspetivas para o futuro.
Podia ter sido melhor? Sim, podia, como assumiu o Presidente do COP. A preparação correu bem, levando a formular objetivos, quiçá «excessivos», que não foram atingidos. Mas…o «excesso» é a alma do desporto, expressa no lema: Citius, Altius, Fortius! Mal seria que o COP procedesse doutro jeito. Porém, é assaz positivo o que foi alcançado. Ora, não valorar devidamente isto, num país em que o desporto não dispõe de política à altura da sua importância civilizacional e social, e é encarado como atividade menor no contexto cultural, educacional e intelectual, comprova estultice e má-fé.
Vejo a nossa participação de modo afim ao de Miguel Esteves Cardoso; transcrevo o final do belo e lúcido texto “Parabéns olímpicos” (jornal Público, 23.08.2016): “Ganhar não só não é tudo. É pouco.” Aos atletas, técnicos e dirigentes endosso a mais viva gratidão e admiração. Fico-lhes muito obrigado pelas elevadas prestações e pelo pundonor que marcaram a presença lusa nos Jogos Olímpicos em língua portuguesa!
Como não há bela sem senão, tenho que trazer à baila a «traição». Imputo-a aos clubes de futebol que impediram jogadores de integrar a equipa olímpica. Se usufruem do estatuto de utilidade pública, acentua-se a necessidade de os penalizar pela sua ação. Ninguém pode trair a nação!
* Jorge Olímpio Bento é professor catedrático jubilado da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e ex-presidente do Conselho Superior do Desporto de Porto.