Os bolseiros científicos também são trabalhadores

Notícias Magazine

O número de pessoas que trabalham em investigação aumentou muito, em grande parte à custa de bolseiros científicos.

Sabia que há cientistas que ganham 745 euros? Que não têm direito a subsídio de desemprego, de férias, de Natal ou de alimentação? Que não são aumentados há seis anos? Começava assim uma crónica que escrevi em 2008. Hoje é só preciso somar os anos que entretanto passaram sem qualquer aumento das bolsas. O número de pessoas que trabalham em investigação científica em Portugal aumentou muito a partir de 1995, quando José Mariano Gago (1948-2015) assumiu a pasta ministerial da Ciência. Mas esse aumento foi feito em grande parte à custa de bolseiros de investigação. E compreende-se porquê: é mais barato.

Um bolseiro não tem direito ao Regime Geral de Segurança Social, mas sim ao primeiro escalão do Seguro Social Voluntário. Independentemente do valor da bolsa, desconta como se ganhasse 419,22 euros. É esse o valor que conta para a carreira contributiva. Se ficar doente ou inválido recebe uma fração disso. Não tem subsídio de desemprego. Não está sequer abrangido pelas leis do trabalho. Pode ser despedido sumariamente se uma única pessoa (o supervisor) não escrever um parecer favorável à renovação da bolsa. E enquanto ganhar a bolsa está sujeito a um regime de exclusividade draconiano, que o impede de auferir rendimentos de praticamente qualquer outra atividade. Além da precariedade total, o Estatuto do Bolseiro assegura que este se mantém bem longe do mercado de trabalho, não vá ele arranjar emprego quando a bolsa acabar. É como ficar só com as espinhas do peixe. Tudo está mal e não é por um ano ou dois. Tendo em conta a escassez de emprego científico, facilmente são dez ou mais. Abandonar o país ou a ciência é a escolha que muitos têm de fazer, entre projetos de família sistematicamente adiados.

Há quem argumente que os bolseiros não são trabalhadores. A ex-ministra Graça Carvalho evocou um «espírito de bolseiro». Isso faz tanto sentido como falar num «espírito de internato médico de especialidade» e retirar aos médicos em início de carreira toda a proteção e direitos laborais. Não é boa ideia.

Se o governo anterior foi repudiado pela comunidade científica por causa dos processos arbitrários na atribuição de financiamento, o atual parece ter conseguido pacificar os meios da ciência. Mas se não corrigir eficazmente a precariedade dos bolseiros, estará a alimentar um conflito. Há mérito na expansão do sistema científico, mas já não estamos em 1995. É tempo de acabar com as castas inferiores na ciência.

Periscópio

CONFERÊNCIA DE ALEITAMENTO MATERNO, EM LISBOA
A alimentação da mãe e da criança, o sono dos bebés amamentados, possíveis obstáculos ao aleitamento materno, como o freio da língua curto, e recomendações internacionais serão alguns dos temas abordados na Conferência Internacional de Aleitamento Materno (https://www. facebook.com/ciamlisboa/), uma área cujo conhecimento tem vindo a evoluir significativamente nas últimas décadas. A conferência é organizada pela Academy of Breastfeeding Medicine em conjunto com a SOS Amamentação, uma associação de apoio à amamentação prestado por voluntárias, e pela International Baby Food Action Network Portugal. Irá decorrer nos dias 17 e 18 de junho, na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, com inscrições agora abertas.

[Publicado originalmente na edição de 1 de maio de 2016]