Uma cor não tem mais valor do que outra cor. Dependendo de opiniões, uma cor pode ter várias caraterísticas que a distingam mas, em absoluto, uma cor nunca é melhor do que outra cor.
Neste tempo, os adeptos consideram que são de um clube. É essa ilusão identitária que dá força à causa clubística. O desporto é um pretexto. Assim, quando se fala de um clube, os seus adeptos acreditam, implícita ou explicitamente, que se está a falar deles próprios. Alguns entregam-se tanto a essa ideia que, quando alguém critica o seu clube, reagem como se essas palavras os ofendessem. Em casos extremos, chegam a orgulhar-se do radicalismo com que vivem essa ilusão.
Apesar dos exageros, essa brincadeira é legítima. Por momentos, podemos todos fingir que acreditamos mesmo que o nosso clube é moralmente superior aos outros. No entanto, logo a seguir, deveria chegar um instante adulto em que, como após um estalido de dedos durante a hipnose, despertássemos e concordássemos que todos os clubes, pequenos ou grandes, são constituídos por uma multidão. Todos os clubes têm as suas razões de ser e, curiosamente, essas razões são muito semelhantes entre si.
Podemos até fingir que debater clubes na televisão ou à volta de qualquer mesa é um assunto sério e que, no final, se chegará a uma conclusão. Esse é um exercício lícito e que muitos consideram divertido. A defesa do indefensável vai passando à vez pelos argumentos das diversas partes, cada um se safa como pode. Mas seria essencial que, com maturidade, se admitisse de vez em quando que esses são debates infinitos e que ninguém está disponível para mudar de opinião.
Com pouca convicção, o meu pai era adepto de um conhecido clube de futebol. Quando a questão me foi colocada, senti uma necessidade precoce de afirmação e escolhi para mim o rival histórico dessa equipa. Recebi a paga algumas décadas mais tarde quando o meu filho, animado por um sentimento parecido, escolheu o clube rival do meu, o mesmo que o meu pai apoiava.
A defesa incondicional de um clube é uma escolha irracional. Na vida, faz falta esse tipo de paixões, mas não se pode fechar os olhos ao óbvio, sob pena de se esbarrar em todos os obstáculos que nos apareçam à frente.
(Fotografia de José Luís Peixoto)
[Publicado originalmente na edição de 5 de junho de 2016]