Como Jorge Fernando mudou o fado quando teve o seu maior êxito fora dele, ou uma lição de vida e talento.
Todos nos lembramos dele: é o do Umbadá, lembram-se? A música que, apesar de não ter ganho o Festival da Canção de 1985 – sim, a vencedora foi Adelaide Ferreira, lembram-se dela também? –, foi a que ficou para a história. A da nossa infância, ou da infância dos que nos fizeram conhecer essa melodia simples, que fica no ouvido, e já faz parte do imaginário português, cantada em uníssono em jantares de grupo, em hinos de amizade, em tesourinhos deprimentes de vídeos antigos.
Recentemente voltou à ribalta, nessa nostalgia chique e trendy de tudo o que foi moda nos anos 1980 – a da juventude da geração pós-baby boom, que acedeu à televisão e aos meios de comunicação de massa bem cedo –, a geração das primeiras superestrelas mundiais.
Precisamente, essa era a época em que o Festival da Canção era um acontecimento nacional no monotemático mundo televisivo português. O país parava e nós, crianças, perseguíamos com furor as edições da TV Guia que traziam um caderninho em papel de jornal com todas as letras das canções.
A de Jorge Fernando, o Umbadá, não era assim tão difícil de decorar: «Eh, umbadá, umbade-o, umbadá… » E, para muitos de nós, lá ficou Jorge Fernando nessa memória vaga de um rapaz vestido de branco, de cabelo liso e de franja – julgo, estou a fazer esta descrição de memória – abanando de um lado para o outro, enquanto uma dança pseudoafricana decorria por detrás.
E essa é uma memória tão injusta quanto grande é a carreira de Jorge Fernando. Na verdade, já era. Grande. E importante. Ele começou a tocar viola cedo, por influência do avô, aos 16 anos já escrevia músicas e letras de fado. Não quaisquer músicas, mas músicas do calibre de Boa Noite, Solidão – vão lá, vão lá ao YouTube se não vos diz nada e verifiquem com os vossos próprios ouvidos. Mais tarde, haveria de ser viola de Amália durante longos anos.
Jorge Fernando já era fadista quando escreveu Umbadá e continuou a sê-lo depois dele. Fadista no sentido mais vasto do termo, fadista de músico, fadista de letrista, fadista de intérprete e, sobretudo, fadista da alma – de compreender o fado como ciência pouco exata que combina letras, melodias, alma e uma atitude especial para com o mundo.
O que o tremendo sucesso de Umbadá trouxe a Jorge Fernando foi muito importante para o fado como hoje o conhecemos. Ele percebeu, músico sensível que era, que o fado podia entrar por outros caminhos, acoplar outras linguagens – foi dos primeiros a introduzir novos sons e instrumentos. E a influência dessa ideia foi à medida da sua própria influência como um dos mais importantes e requisitados compositores e produtores. Jorge Fernando mudou o fado à conta do Umbadá.
Foi por tão poucos conhecerem o verdadeiro talento que é o de Jorge Fernando, a sua vida real, além da fama, não efémera mas parcial, de Umbadá, que resolvemos que era uma boa história para fazer capa da NOTÍCIAS MAGAZINE. Que esta reportagem ajude a repor um pouco a verdade, e a justiça seja feita. Porque a história deste músico e compositor é mesmo uma grande história.
[Publicado originalmente na edição de 27 de novembro de 2016]