Um suspiro por cartazes a sério

Notícias Magazine

O que é um cartaz? O anúncio de uma intenção? O desabafo de um descontentamento? A expressão de uma ideia? Uma palavra de ordem? Uma forma de enganar o próximo? Será tudo isto e mais alguma coisa. Isso é o que todos já devíamos saber, no ponto da história em que nos encontramos, já passados mais de 500 anos desde que a imprensa foi inventada, milhões e milhões de impressões de cartazes depois do primeiro, ainda no século xv.

Um cartaz é o que dizem as palavras que lá estão escritas, mais as mensagens subliminares. O que mostra e o que veicula. Imagens e mensagens. Toda uma semiótica que já deu origem a milhares de teses, análises, livros. De que forma o semblante de quem neles aparece condiciona quem os vê? Qual o valor de uma melena mal alinhada ou de um sorriso sibilino? As escolhas das cores que lhe servem de pano de fundo, as letras – corpo e tipo… E se falarmos em cartazes políticos, adicionamos-lhes a questão da propaganda, palavra que tendo origem anódina ganhou variadas cargas negativas. O ser e o parecer.

Ainda agora, do outro lado da minha janela, vejo vários cartazes: «Novo Banco: queremos o nosso dinheiro». É uma manifestação dos lesados do Banco Espírito Santo, à porta da sede. «Carlos Costa, Passos Coelho: carrascos dos poupados» diz o cartaz empunhado por um senhor de cabelo branco e que se apoia numa canadiana. Outro exemplo: uma vez, na Avenida António Augusto Aguiar havia um cartaz que era formado por todas as janelas do último andar de um prédio, todas seguidas, que dizia: «Queres Casar Comigo?» Aqui, a proposta, clara, era de quem não tinha nada a esconder. Cartazes originais, interessantes porque interessados.

Por estes dias recordo com saudade o eficaz «Soares é fixe», um slogan em cartazes e não só – autocolantes, pins, etc. – que mudou a imagem do candidato presidencial, e mesmo do «Prà Frente Portugal» que, na altura, limou as arestas do candidato da direita, aliás opositor do primeiro. Depois disto, muito pouco ficou para recordar. Houve o «Razão e Coração» de António Guterres, mas poucos se lembrarão do «Em Nome de Portugal» de Cavaco Silva ou mesmo do «Somos Todos Portugal» de uma qualquer campanha do PSD. E mesmo a campanha alegre que Marcelo Rebelo de Sousa fez em Lisboa, atirando-se ao Tejo e conduzindo um táxi, pouco mais deu do que cartazes que diziam «Lisboa vale a pena» – o que, dada a conduta do candidato, pouco mais era do que uma tautologia.

Por tudo isto me entristece, também, que a discussão maior desta pré-pré-campanha esteja a ser feita em torno do vazio que se tornaram os cartazes políticos. Demagogia… Devíamos estar todos imunes a ela. E olhar para um cartaz político como uma espécie de música de elevador. Algo que está lá para fazer de fundo e preencher o vazio. Mas que não tem interesse absolutamente nenhum.

Mas não. Tudo começou com o cartaz das trevas sobre o sol, do PS. Muito criticado – era uma imagem, feia, mas apenas uma imagem. Depois vieram as polémicas mais graves – e ainda não todas completamente esclarecidas – da falta de autorização dos figurantes. E, já esta semana, a polémica simétrica a esta, do lado do PSD, de terem usado fotografias de banco de imagem para os seus figurantes. Tenho pena de que, do lado do PS, a paz se tivesse restabelecido com um cartaz anódino com a cara do candidato Costa e uma palavra: Confiança. Tão inócua como Verdade, Futuro, Mudança. Mais vale não inventar, dizem os marketeers cuidadosos. E eu suspiro por cartazes e campanhas verdadeiramente inspiradores, em que se vislumbre qualquer coisinha mais consistente do que propaganda – qualquer verdade, mesmo que má, é melhor do que a melhor das propagandas.

[Publicado originalmente na edição de 16 de agosto de 2015]