Mais de trinta empresários, escanções, enólogos e jornalistas do Brasil, Angola, Moçambique e EUA visitaram as mais importantes regiões vitivinícolas portuguesas. O desafio era entender Fernando Pessoa quando escreveu que «boa é a vida, mas melhor é o vinho».
Do Alentejo, espera-se que os tintos sejam redondos na boca, cheios e agradáveis, com uma concentração de cor, de aromas, de corpo e taninos. E que os brancos sobressaiam pela elegância aromática. São mais de oito séculos a plantar vinha e a produzir vinho, mas muito está ainda por descobrir. Pela particularidade climatérica da serra de São Mamede, a Lusovini, empresa produtora de vinhos, criadora de marcas e distribuidora, que convidou mais de trinta especialistas de vários cantos do mundo para um tour vinícola por terras lusas, começou este ano a explorar vinhas no local. À procura de outras essências.
As vinhas são compostas pelas castas Tinta Roriz, Alicante Bouschet, Trincadeira e Touriga Nacional. Com elas, Casimiro Almeida Gomes (na foto à direita, com o sócio Carlos Moura), presidente da Lusovini, homem da Bairrada, engenheiro agrónomo e oriundo de uma família que produz vinhos há trezentos anos, procura explorar o que de melhor a natureza proporciona na região. Um tinto de acidez total com mais potencial de vida. Com as castas de brancos Arinto e Antão Vaz espera vinhos mais ácidos e frescos. «Um trabalho de paciência, de risco e de investimento humano que estamos dispostos a fazer para que possamos continuar a surpreender. A nós e aos consumidores. Esse é e será sempre o nosso desafio», diz.
A natureza exuberante dos vinhos e os prazeres que lhe estão associados são as motivações do jornalista e crítico de vinhos Marcel Miwa, da revista brasileira Prazeres da Mesa, para percorrer os caminhos vitivinícolas espalhados pelo mundo. Esta é a sétima visita a Portugal e a primeira à serra de São Mamede. Já conhece muitas castas e vinhos portugueses, mas acredita que as vinhas que viu desta vez e as uvas que provou em plena maturação reservam grandes surpresas.
Miwa diz que tem descoberto grandes vinhos portugueses, e graças a ele, muitos brasileiros os têm provado. Refere que os conterrâneos optam na generalidade por vinhos nacionais, chilenos e argentinos, devido à proximidade e ao baixo custo. Mas, «quando se tornam mais exigentes, os vinhos portugueses são cada vez mais uma opção». Para o crítico, escrever sobre vinhos é mais do que descrever o que se está a beber. É transmitir todo o contexto em que é produzido, é um pretexto para se falar de uma cultura, de um lugar e de um povo.
Nunca diz mal de um vinho. «Uma garrafa pode estar “contaminada” e com comentários depreciativos posso destruir todo o trabalho de um produtor. Prefiro dar outra oportunidade mais tarde.» Em média, depois de uma seleção cuidada, dois em cada dez aguardam por uma nova prova antes de serem alvo de uma crítica e apresentação na revista Prazeres da Mesa, uma das mais influentes do universo gastronómico no Brasil.
Na Quinta da Alorna, em Almeirim, na região demarcada da Estremadura, a paixão pelo vinho sente-se na azáfama típica da época das vindimas e de início de produção nos 220 hectares de vinha, entre castas de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Arinto e Chardonnay. A tecnologia associada à inovação leva a que nesta herdade sejam produzidos cerca de 1,85 milhões de litros de vinho anuais, cinquenta por cento dos quais para consumo interno e os restantes para exportação para 25 mercados internacionais.
Depois da degustação de um Fernão Pires, os vinhos brancos e tintos Casual foram servidos à mesa num jantar oferecido ao grupo de convidados, que considerou a escolha perfeita. Essa perfeição é o que «incomoda» João de Araújo Pereira, sommelier do restaurante Rancho Português, sediado em São Paulo, no Brasil, e da rede de restaurantes do grupo espalhados pelo país. Considerado um dos maiores e mais prestigiados restaurantes da cidade e do país, o Rancho Português é famoso pelo leitão à Bairrada, mas é muito mais procurado pela carta de vinhos, que apresenta 950 opções, 95 por cento das quais portuguesas. «Quando encontro um vinho de excelência, deparo-me sempre com o dilema: para colocar um novo vinho, tenho de tirar outro da seleção. Não é um trabalho fácil», diz João de Araújo Pereira. Mesmo com uma carta que muitos clientes consideram uma «enciclopédia», o escanção está sempre à procura de um vinho que lhe cause uma nova sensação. Procura incessantemente, há trinta anos, «o» vinho!
No restaurante, onde pelas mesas circula sempre uma bandeja com cerca de vinte vinhos do Porto diferentes, aconselha clientes, orienta-os nas escolhas dos vinhos por géneros (tinto, branco, maduro, verde, rosé, espumante) e regiões, tudo em função do prato escolhido entre os cerca de cem que fazem parte do cardápio. Só receitas de bacalhau são 18, cinco de polvo e várias de marisco.
Não é a primeira vez que João vem a Portugal e em cada visita tem descoberto um novo vinho e muito mais do que isso: «Tenho assistido a uma grande evolução nos métodos de produção, na seleção das castas e nas experiências e desafios que os produtores têm vindo a impor cada vez mais a si próprios para conseguirem vinhos com identidade e vontade própria», diz o escanção, salientando que isso se reflete nas escolhas que faz. Esta visita não foi exceção. «Surpreendeu-me o regresso às origens em algumas regiões num casamento perfeito com a inovação. Os dois métodos juntos estão a produzir ótimos resultados, por isso os vinhos portugueses continuam a surpreender-me.» Quando questionado sobre quais seriam desta vez os eleitos, coloca as mãos no rosto, pousa os cotovelos nas pernas, abana a cabeça e diz: «Sinceramente, ainda não sei.» No final da visita, estava apenas certa a escolha do vinho do Porto Cambridge, a estrela da semana. Garantiu que não seria a única.
Com uma frescura e aptidão gastronómica únicas, os espumantes estão na moda. Os mais jovens apresentam aromas florais ou frutados. Os mais velhos transbordam aromas característicos do tempo em que contactam com as borras da segunda fermentação. A Bairrada é uma das regiões de excelência na produção de espumantes. Aqui foi apresentado o Regateiro Espumante Bruto DOC Bairrada 2013. Produzido pelo método clássico, manifesta a elegância e a complexidade de um blanc de noirs (espumante produzido somente com uvas tintas). «Este espumante é o culminar de trinta anos de trabalho», diz Casimiro Almeida Gomes.
Os vinhos são maioritariamente um negócio de família. Gerações de segredos, sacrifícios e amor capazes de ultrapassar intempéries. E se para uns é comum abandonar uma vinha com 25 ou 30 anos, para os sócios da Lusovini uma vinha destas é um desafio. Têm algumas e garantem que «com paciência e trabalho, a produção pode ser menor, mas o vinho será melhor».
Em Portugal, existem mais de quinhentas castas, mas pouco mais de trezentas são utilizadas na produção de vinhos. E são estas que, mesmo quando muito bem cuidadas, estão expostas ao maior inimigo dos produtores: o clima. A ansiedade é pois o estado de alma comum a todos os produtores e enólogos nesta época. Mas a verdade é que 2015 poderá ser a colheita do século. O ano tem vindo a correr de feição para as uvas. As temperaturas têm ajudado, assim como a pouca precipitação.
Os produtores anseiam por boas colheitas. Os empresários do setor por bons vinhos. Dos Estados Unidos vieram José Dias, Pedro Veloso, Sergie Pereira e Adriana Silva, todos ligados à empresa importadora de vinhos Wine In-Motion. Trabalham sobretudo Nova Iorque e Nova Jérsia e dizem que vender os vinhos portugueses aos norte-americanos não é fácil. «Não têm referências sobre Portugal, o país para eles não tem identidade e um vinho sem história é muito difícil de vender.» Recorrem ao vinho do Porto, o mais célebre dos vinhos portugueses nos EUA, para que lhes abram as portas. Nos últimos cinco anos, introduziram naquele mercado mais de trezentos vinhos. A Portugal vêm com frequência ao encontro das origens, dos vinhos que já comercializam e de outros, que poderão vir a ser uma opção. «Só conhecendo todo o percurso e essência do vinho é possível injetar-lhe energia quando estamos a promovê-lo num evento.» Acreditam no potencial de Portugal nos EUA, mas a sua concretização passa pelo reconhecimento noutras áreas, como o turismo, a cultura, a literatura, o desporto ou a investigação. «Assim, o vinho aparecerá como um complemento à “degustação” do país», explica Sergie Pereira.
O crítico Carlos Arruda diz que «o vinho é o melhor lugar para se encontrar com os amigos». Isso é notório nas caves de Porto da JH Andresen, onde o proprietário, Carlos Flores dos Santos, recebe com paixão. Pensa cada ano vitivinícola, em média, a quarenta anos. Diz ter sido nessa espera lenta que aprendeu a respeitar o vinho do Porto. «O vinho necessita de momentos únicos, que nem sempre são, por exemplo, datas especiais. Por vezes, na euforia de uma comemoração, não dispomos de tempo para o vinho.» No coração das caves encontrou o tempo e o modo de presentear o grupo com um Porto de 1910. Personalidade, essência e maturidade, num cálice de história.
De histórias se vai construindo o Cantinho do Sossego, em Luanda, um dos restaurantes de referência da cidade. Hortênsia Sebastião cuida da cozinha. O marido, José Sebastião, faz as honras da casa e escolhe os vinhos que fazem parte da carta. Dizem que a classe média angolana tem hábitos lusos, pelo que não lhes tem sido difícil introduzir os vinhos portugueses. Vieram porque estão sempre à procura de novos vinhos ou não fossem eles conhecidos na cidade como embaixadores dos vinhos portugueses. A escolha revelou-se difícil «pela elevada qualidade dos vinhos apresentados», mas garante que levam alguns na bagagem.
Rei do Alvarinho e um dos mais conceituados enólogos nacionais reconhecido no estrangeiro, Anselmo Mendes fez que, de vinho menor, o vinho verde passasse a um vinho de referência em qualquer carta de restaurante ou garrafeira. Apresentou o 2014 Mito Escolha Branco Verde. Sabor fresco e equilibrado. Aroma floral e frutado. Um vinho moderno ideal para o início das refeições, ou mesmo para acompanhá-las até ao fim. Uma extravagante mistura das castas Alvarinho e Loureiro. Um vinho que o moçambicano Fausto Martins, proprietário de uma garrafeira em Maputo, Moçambique, provavelmente vai acrescentar à lista dos mais de cem, portugueses, de que dispõe. Além do vinho tem de levar um pouco mais de Portugal, uma vez que «os consumidores moçambicanos estão cada vez mais exigentes e querem saber mais sobre a história de cada vinho».
Em 1756, o marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, decreta o Douro como região demarcada, tornando-a a primeira no mundo. Alves de Sousa é um dos produtores de referência da região. Vê na vinha as suas raízes e nela aposta como o futuro das gerações vindouras. A moderna adega garante a qualidade dos vinhos daquele que já foi considerado por duas vezes o produtor do ano. Aposta agora em vinhas de tradição secular onde prevalece o trabalho manual, o espaço estreito e a mistura de castas. Alves de Sousa diz estar a plantar o futuro honrando o passado. Um regresso às origens que surpreende o grupo de estrangeiros. Pela positiva, já que a promessa é de voltar para outras iniciativas de promoção dos vinhos portugueses. Nas vinhas conheceram a história. Nas adegas degustaram os vinhos. À mesa dos restaurantes fecharam negócios. Entre conversas selaram amizades.
Carlos Moura, administrador da Lusovini, diz que o vinho é tudo isso: «Um mundo de sensações.»
A REDE DA LUSOVINI
A empresa, criada em 2009, tem nove acionistas. Sediada em Nelas, distrito de Viseu, detém ainda firmas no Brasil, Angola e Moçambique. Criam marcas, estabelecem parcerias para a comercialização de vinhos, mas a grande paixão é a produção de vinhos. Das mais de oitenta referências que distribuem por diversos países, um terço é de produção própria. A partir das terras do Dão, produziram o Varanda da Serra Tinto 2013, um vinho de caráter com grande acidez natural. Mas a grande novidade da companhia é o Cambridge Ice, um Porto branco para ser bebido muito fresco ou mesmo com gelo. Pensado para um público mais jovem, bebido gelado ganha a sofisticação do champanhe, tornando-se ideal para o início e o final das refeições.