Sintomas da peste grisalha

Notícias Magazine

Vejo uma fotografia de Kate Winslet na estreia do seu último filme The Dressmaker, no Festival de Toronto. Está bela e serena – feliz nas assumidas curvas, e por isso mesmo elogiada nas críticas internacionais, as suas ancas e os, cito, «braços tonificados». Claro que em qualquer reunião normal de pessoas que não fossem atrizes ou modelos Winslet seria a mais magra da sala, mas naquele mundo escanzelado das atrizes de Hollywood ela é, de facto, a mais cheiinha e a dar nas vistas por isso.

Não foram, no entanto, estas considerações que me chamaram a atenção. Dei por mim a debruçar-me sobre uma das fotos dela a preto e branco, em que aparece com o sorriso bordejado por acentuados pés-de-galinha, à volta dos olhos e nos cantos da boca semidescaídos. Não me interpretem mal, não foi um olhar de crítica. Pensei: «Olha que bem que ela lida com a idade.» Sim, Kate Winslet tem envelhecido bem, é essa a ideia e a imagem que nos transmitem os seus anúncios, as personagens, as entrevistas e a forma como se coloca. Mas que idade terá Kate Winslet? Vou ver ao Google. 39 anos!

Talvez esta coisa de que se é velho aos 39 anos não seja apenas um efeito da máquina da rápida juventude que é Hollywood – onde os atores são consumidos antes de precisarem de Photoshop e a vida corre muito depressa. Mulheres de meia-idade fazem papéis de idosas e jovens imberbes de mulheres maduras. A elegia da juventude tem percorrido as nossas comunidades pelo menos desde os anos 1960. E, curiosamente, quando seria suposto que essa geração do baby boom, a que começou esta tendência, chegasse à idade mais madura e isso deixasse de importar, acontece precisamente o contrário: continua tudo a querer parecer mais jovem do que é, dos jeans às operações plásticas.

Isto é especialmente preocupante na atual cena política nacional. Trazida pela questão demográfica, a sustentabilidade das pensões ganhou os holofotes. E, em cenário pré-eleitoral, não há quem não fale deste assunto como um grande «problema». Ora custa muito ver a questão do envelhecimento assim fechada no garrote dos números. Como dizia alguém – um energúmeno cujo nome recuso sequer repetir –, a «peste grisalha».

Sim, os velhos não são os empreendedores de que o país precisa. Sim, os velhos não são os cool kids on the block com ideias novas e… fora da caixa a cada instante. Mas, por outro lado, porque lhes desperdiçamos a experiência quando sabemos bem que os erros são a melhor forma de aprendizagem? Porque colocamos os nossos filhos em redomas de mimo, distantes de avós e bisavós, a jogar PlayStation nos almoços de família?

Na verdade, talvez tenha chegado a hora de questionar, a idade da reforma. Não em termos financeiros – de compensação pelo aumento da esperança de vida. Mas do ponto de vista social e psicológico. Porque é que alguém tem, aos 65 anos, mais pós menos pós, idade para se retirar da vida ativa? Alguém cuja velhice foi talhada de forma completamente diferente da geração anterior, com energia no corpo fruto de anos de exercício, e o cérebro alerta sob o efeito positivo de quilómetros de sudoku?

Nestas coisas da sociologia, as causas e os efeitos são por vezes muito difíceis de deslindar. O que vem primeiro: a síndrome da eterna juventude ou a noção de que os velhos são um peso? E, voltando ao princípio, quando Kate Winslet é considerada uma velha aos 39 anos, o que restará a todos nós quando entrarmos na idade da reforma?

[Publicado originalmente na edição de 20 de setembro de 2015]