
A resposta, onde quer que a procuremos, parece ser unânime. Mas não é. A nossa personalidade, pelo menos, não podemos mudar; está formada antes do final da adolescência. Podemos mudar alguns comportamentos, limar arestas, largar vícios, empreender decisões que transformam a nossa vida e lhe mudam o rumo, mas tudo isto – que implica já muito esforço e força de vontade – é apenas um arranhar na superfície do que somos. «Na vida adulta podemos alterar alguns mecanismos de defesa ou modos de funcionar perante os outros, mas a mudança de aspetos relacionados com a personalidade é particularmente difícil em termos clínicos», assegura o psiquiatra Cláudio Moraes Sarmento.
De resto, e se pusermos de parte patologias e distúrbios psiquiátricos, os tipos de organização de personalidade são apenas três: neurótica – que embora usemos muitas vezes com sentido pejorativo corresponde à da maioria de nós e é a mais saudável –, borderline e psicótica. «E estas organizações são rígidas e não são intercambiáveis. Um neurótico não pode passar a psicótico nem a borderline ou vice-versa. São organizações de personalidade que se prendem com o tipo de angústia subjacente. Mantemos alguma plasticidade toda a vida, mas que no que se refere à personalidade, que é algo muito nuclear, essa plasticidade é mínima. Apenas “podamos os ramos mais periféricos da grande árvore”.»
Destes ramos mais periféricos fazem parte a mudança de comportamentos. Porque quando estamos conscientes das desvantagens ou dos problemas que um traço de personalidade nos traz, podemos estar dispostos a tentar alterá-lo. «As pessoas não mudam completamente, mas um desorganizado pode aprender estratégias para ser mais organizado. Da mesma forma, um tímido pode desenvolver competências sociais para ser mais adequado, mas não se tornará uma pessoa extrovertida», defende a psicóloga Márcia Fontinha. E na base deste limar de arestas comportamentais estão, muitas vezes, os dissabores que os traços de personalidade nos trazem. «Um grande motor de mudança é o sofrimento», defende a psicóloga. «Uma pessoa que é tímida, que tem dificuldade em socializar e que se sente só, ao reconhecer isso pode fazer um esforço para melhorar a sua socialização.»
RIC ELIAS ERA UM DOS PASSAGEIROS que seguiam a bordo do voo 1549 da US Airways a 15 de janeiro de 2009 – o voo que seis minutos depois da descolagem, em Nova Iorque, e após embater num grupo de gansos que provocou danos no dois motores, viria a amarar em pleno rio Hudson. Elias viu a vida por um fio, durante minutos esteve firmemente convicto de que não iria sobreviver. Numa TED que deu a esse propósito – 3 things I learned while my plane crashed – assegura que aprendeu três coisas essenciais com a experiência: a noção de que tudo muda num instante, o que o fez deixar de adiar para mais tarde tudo o que possa fazer agora; a perceção de que era idiota gastar tempo com coisas e pessoas que não importavam e a compreensão de que se tivesse de escolher um único grande objetivo de vida seria ser um bom pai. Será que a experiência mudou quem ele era?
O caso está longe de ser único. Muitas pessoas que passam por situações ameaçadoras como uma doença grave ou um acidente potencialmente fatal garantem que nunca mais se chatearam ou preocuparam com ninharias e a sua atitude perante a vida e os outros tornou-se diferente. Ouvimo-los e parecem-nos pessoas muito diferentes do que eram. Será? Nem tanto. «Fatores traumáticos externos podem e devem fazer-nos repensar alguns dos nossos investimentos, das prioridades e das escolhas. Mas, no essencial, somos os mesmos e reagimos perante as adversidades condicionados pelo manancial de traços de personalidade e mecanismos de defesa que já transportamos e foram desenvolvidos ao longo da infância e da dolescência», defende Cláudio Moraes Sarmento.
Também as mudanças de vida radicais – que hoje vemos com alguma frequência – de pessoas que largam um emprego estável para iniciar um projeto social ou que, cansadas de uma vida agitada, empreendem uma mudança da cidade para o campo não significam que mudaram de personalidade, mas antes a forma como vivem, defende Márcia Fontinha. «Essas mudanças referem-se ao estilo de vida e não ao self.» É uma necessidade de realização pessoal que as move, e, na realidade, a pessoa não está a transformar-se, mas sim a tentar alterar a sua realidade em função da sua maneira de ser e das suas necessidades. «São, por norma, pessoas que já não se sentem felizes com o estilo de vida que levam e precisam de dar-lhe um novo sentido. Contudo, é preciso estar atento, porque há quem mude completamente de vida para fugir a um conflito interno, mas esta mudança é ilusória porque o problema vai persistir», avisa a psicóloga.
Aliás, para tudo que podemos, queremos ou devíamos mudar – e já vimos que a personalidade não faz parte deste grupo – é necessário ter consciência da desadaptação, estar motivado e aceitar ajuda. E, mesmo assim, temos pela frente um outro fator que não controlamos e nos condiciona: os nossos genes. «Existe uma contribuição genética indiscutível, mas nessa não podemos ainda interferir. O mundo, de facto, não é justo, nem na doença. Os mais saudáveis são os que têm maior capacidade de transformação e mudança, os mais frágeis os que têm menos.»
O ENEAGRAMA, UM SISTEMA de tipificação dos vários tipos de personalidade, também não contempla «saltos» entre estas. Com origens milenares, o eneagrama foi adaptado à personalidade humana nos anos 1950 e, nos anos 1970, começou a ser mais divulgado, muito pela mão do psiquiatra chileno Claudio Naranjo, sendo usado por organizações como a NASA e por multinacionais como a Cisco, além de ser parte dos curricula de alguns cursos da universidade norte-americana de Stanford. Eduardo Reis Torgal, coach e professor de Eneagrama, define-o como «um sistema preciso, profundo e dinâmico que descreve nove formas de pensar, sentir e agir e os seus diferentes níveis de consciência, apoiando assim cada indivíduo a evoluir pessoal e profissionalmente».
O eneagrama define nove tipos de personalidade que têm origem em diferentes motivações-base, ou seja, em diferentes fundamentos e preocupações básicas que estão na estrutura de cada um dos diferentes tipos. «Por exemplo, um tipo 1, um perfecionista, com todo o seu exagero no rigor, no pormenor e na preocupação de fazer tudo de uma forma exemplar, procura reconstruir um ambiente de perfeição através do qual crê que resgatará uma sensação perdida de serenidade. Esse mecanismo, inconsciente, é a sua motivação intrínseca e que o acompanhará por toda a sua vida», explica o coach.
Sim, por toda a sua vida. Se a consciência deste ou de outros traços existir, é possível que consiga reduzir alguns exageros, mas isso não nos fará mudar. «Quando falamos de motivações-base, não podemos confundi-las com as motivações circunstanciais ou momentâneas da vida, porque essas são apenas o topo do iceberg», defende Eduardo Reis Torgal. «A nossa personalidade, ou seja, a motivação-base, é inalterável: está associada ao motivo essencial pelo qual nos consideramos amados, respeitados e aceites, por nós mesmos e pelos outros.»
OS 9 TIPOS DE PERSONALIDADE
TIPO 1
Perfecionista
«Façam tal e qual como eu, que não falha.»
Buscam a excelência, focam-se nos processos e na qualidade e são determinados, mas excessivamente exigentes, inflexíveis e focados nos erros. Veem o mundo com base na falha e no erro, bem como na criação de mecanismos para melhoria contínua.
TIPO 2
Prestável
«Gosto de ajudar e gosto que o reconheçam.»
Empáticos, envolventes e empenhados, são teimosos e intempestivos, podendo chegar à ira quando não são reconhecidos. Têm o foco de atenção nas necessidades dos outros, sendo menos hábeis a reconhecer as suas e sentindo uma sincera dificuldade em pedir ajuda.
TIPO 3
Motivador
«Quando tive insucesso? Sinceramente, não me recordo.»
Confiantes e eficientes, são, no entanto, demasiado competitivos e autocentrados. Têm o seu foco numa imagem de sucesso e uma habilidade única em negociações. Adaptam-se com naturalidade às situações e ao meio que os rodeia e são destemidos.
TIPO 4
Romântico
«Acho que os outros nunca me compreendem.»
Idealistas, emotivos e criativos, mas instáveis, um pouco dramáticos e com tendência para a queixa constante. Sonham sobre aquilo que ainda não existe e a emoção é o motor desta visão do mundo distinta e particular.
TIPO 5
Pensador
«As pessoas por vezes só atrapalham.»
Lógicos, ponderados e perspicazes, são também distantes, contidos e calculistas. Procuram preservar os seus recursos mais valiosos, como tempo e energia, através da defesa exagerada da sua privacidade. É um tipo de personalidade que tende a ver as emoções como algo perturbador.
TIPO 6
Questionador
«As pessoas, em geral, não são de confiança.»
Fiéis, responsáveis e comprometidos, têm alguma tendência para serem demasiado críticos, inseguros e desconfiados. São bons estrategas e têm uma invulgar capacidade de ler a comunicação não verbal dos outros, mas podem tender ao confronto e ao questionamento.
TIPO 7
Entusiasta
«Isso faz sentido! Avancemos quanto antes.»
Otimistas, bem-humorados e criativos, são também impulsivos, dispersos e algo narcisistas. Com um ar leve e uma visão descontraída e espontânea perante a vida, têm por trás um ritmo frenético, mas evitam esforços e tendem a ter pouca sensibilidade perante os valores dos outros.
TIPO 8
Confrontador
«A fazer, faça-se em grande!»
Assertivos, persistentes e dinâmicos, tendem, no entanto, a ser autoritários, insensíveis e maus planeadores. São pessoas decididas e enérgicas que aceitam tomar por sua conta e risco os desafios com que se cruzam. Provocam um impacto excessivo nos outros, manifestando, por vezes, grandes dificuldades de relacionamento.
TIPO 9
Pacificador
«Não vale a pena armar confusão.»
Afáveis, compreensivos, pacientes e calmos, mas teimosos, procrastinadores e dependentes. Têm uma notável capacidade diplomática, mas a sua postura flexível faz que as suas próprias prioridades sejam relegadas para segundo plano. São depósitos a armazenar energia, conhecimento, recursos e soluções, procurando usar tudo isto depois de uma forma harmoniosa e efetiva.