
Michael Silva emigrou para os EUA com a família e sonhou ser uma estrela da Broadway. Hoje arranja cabelos para campanhas da Gucci, editoriais da revista Elle e celebridades como Lady Gaga, Mariah Carey ou Kim Kardashian. Talvez alguns penteados da passadeira vermelha dos Óscares tenham a mão dele.
Michael estava na igreja da Fajã de Baixo, em Ponta Delgada, quando sentiu um arrepio na espinha. A pedido de uma tia, o menino de 6 anos já tinha apanhado flores, ajudado a enfeitar a igreja e agora limpava o pó das imagens. Sozinho, em silêncio, passou o pano no rosto de uma santa e algo saiu do lugar. «Apanhei um susto, mas era apenas uma peruca», lembra. «Depois fiquei fascinado. Nunca me esqueci daquela imagem.»
O açoriano está num café de Chelsea, em Nova Iorque, quando recorda a história. «Há momentos que acontecem e parecem não ter significado até que, anos mais tarde, juntamos todas as peças.» Devia estar a trabalhar – no início do ano, quando as cerimónias de entrega de prémios parecem acontecer todos os dias, está sempre a trabalhar –, mas uma tempestade de neve forçou o fecho de estradas e escolas e deixou-o com tempo para explicar como é que um miúdo de São Miguel se tornou um dos cabeleireiros mais requisitados pelas celebridades norte-americanas. «Tudo o que testemunhei com os meus pais, a sua coragem de vir para outro país, o trabalho árduo, é a forca que está por detrás do meu sucesso.»
Michael trabalha com celebridades como Lady Gaga, Mariah Carey, Nicki Minaj, Jessica Chastain, Kim Kardashian e Jennifer Lawrence, é o responsável pelos cabelos em campanhas da Gucci, CoverGirl, Gap, Clinique ou Avon, e faz editoriais para a Vogue Brazil, V Magazine, Marie Claire, Elle ou GQ. «Foi tudo à custa de muito trabalho e nada aconteceu de repente. Trabalho em mansões fantásticas, mas ao final do dia volto sempre para o meu pequeno estúdio em Chelsea.»
Aos 7 anos mudou-se com os pais, Maria do Carmo e José Octávio Silva, da ilha de São Miguel para Pawtucket, no estado de Rhode Island. Gostava de participar nas peças de teatro da escola e, na adolescência, confessou aos pais que queria ser uma estrela da Broadway. «Não perceberam de início. Mas depois apoiaram. Para eles, era sempre sobre trabalho. Desde que fizesse alguma coisa com o caminho que escolhesse, eles apoiavam-me.»
Depois de terminar o secundário, começou a representar numa companhia de teatro local, o City Nights Dinner Theatre, que fazia versões dos espetáculos da Broadway. Quando fizeram uma peça sobre Anne Frank, uma das personagens tinha umas tranças complicadas, que ninguém conseguia fazer. Ele teve sucesso à primeira. Depois, quando tentaram recriar o cabelo de Sally Bowles em Cabaret, tornaram a usá-lo. Para ganhar dinheiro, tornou-se ajudante num salão. Acabou por fazer um curso e trabalhou como cabeleireiro durante algum tempo. «Era algo que fazia, como se fosse recreativo.» O sonho continuava a ser a Broadway.
Numa viagem a Nova Iorque, apaixonou-se. Semanas depois mudou-se com vinte dólares no bolso. «Estava disposto a fazer qualquer coisa. Já tinha trabalhado em restaurantes e podia voltar a fazê-lo.» Ficou a viver com o namorado, mas a relação terminou logo depois. Foi viver com um amigo.
Um dia entrou numa loja de roupa vintage no Soho. «Era como se tivesse entrado num armário que tinha explodido, com roupa por todos os lados.» Tornou-se amigo da dona e ficou a trabalhar para ela. Organizou o espaço, decorou as montras e criou uma imagem para os sacos, cartões, panfletos.
Dormia no chão da loja ou em casa de amigos, mas tudo começou a mudar quando foi apresentado ao dono do Suite 303, um salão no Chelsea Hotel, e foi contratado como assistente. Varreu o chão, lavou cabeças e desinfetou pentes e escovas, como fizera antes em Pawtucket. Mas o ambiente era outro. «Era um refúgio de artistas. Nada glamoroso, mas eu estava fascinado. A presença de tanto talento e criatividade dava-me energia.»
Meses depois, deixaram-no cortar cabelo e impressionou os donos. «Tem mesmo talento», comentaram. «Percebi que podia ter sucesso e desisti de ser ator. Escolhi o mais fácil, mas não foi uma derrota. Derrota seria não usar o meu talento para ser o melhor.» Tornou-se membro da comunidade artística e boémia que frequentava o Chelsea Hotel. E percebeu que não queria ter um salão. «Queria ser um artista, trabalhar com pessoas que admiro e ajudar a criar imagens que inspiram milhares de pessoas.»
Ficou sete anos no Suite 303 e foi trabalhando com fotógrafos e estilistas. «Oferecia-me para trabalhar de graça, apenas para construir um portfólio. As coisas funcionam assim, antes de dares o salto tens de ter trabalho suficientemente bom.» Assim que ficou satisfeito com o seu book, marcou reunião com várias agências. «Queria ter um agente. Quando aconteceu, senti-me validado, reconhecido.» Começou por fazer trabalhos pequenos, para o Womens Wear Daily e o Ladies Home Journal. Passado algum tempo, foi contratado para uma sessão da Vogue Brazil. Pela primeira vez, tinha um orçamento e uma grande produção. Na noite anterior, não conseguiu dormir. «Só pensava se fazia cabelo solto ou apanhado, liso ou encaracolado.»
Em 2011, recebeu uma chamada do agente. «Estás livre?», perguntou-lhe o americano. «Vais fazer a Lady Gaga, mas tens de estar lá numa hora. Para tudo o que estás a fazer.» Naqueles meses, não havia estrela maior do que Lady Gaga. A cantora tinha acabado de lançar o segundo álbum, Born this Way, e cada passo que dava era notícia em todo o mundo. Era a grande oportunidade de Michael. Estava no ginásio, largou os pesos no chão, correu para casa, agarrou em tudo o que precisava, apanhou um táxi, foi buscar extensões de cabelo a uma loja. Chegou ao Hotel Plaza em menos de uma hora.
Ficou à espera num corredor. Passou uma hora. Não era assim tão urgente. Quando teve autorização para entrar, abriu a porta do quarto e não viu ninguém. «Hi! I’m Gaga.» Virou-se e, atrás dele, lá estava a cantora, com uns sapatos plataforma altíssimos, de cuecas e t-shirt, sem soutien. «Deu-me um abraço e pôs-me à vontade.» A cantora gostou tanto do resultado que trabalhou com ele toda a semana.
Nunca mais parou de trabalhar com famosos. Nos últimos meses, tem trabalhado muito com Mariah Carey («Não é uma diva como se espera; é muito doce, como uma menina»), a rapper Nicky Minaj («Sabe bem o que quer, tem uma visão e quer as coisas exatamente assim») e Kim Kardashian. «Adoro-a de morte.» Michael esteve mesmo no casamento da estrela com o rapper Kanye West, que começou com uma visita privada ao Palácio de Versalhes e terminou num castelo em Florença. Mas não fez o seu cabelo no grande dia. «Fez questão de me ter apenas como amigo, queria que usufruísse do casamento como todos os outros convidados.»
O trabalho com estas pessoas dá-lhe uma exposição tremenda. Kim Kardashian é a pessoa com mais seguidores no Instagram e, quando marca Michael numa fotografia, a imagem é vista por 26 milhões de pessoas, vinte vezes mais do que a circulação da Vogue americana, e depois replicada em centenas de blogues, sites, revistas e jornais. «Isto permite-me pensar no próximo passo. Quero criar uma marca e lançar uma linha de produtos de cabelo.»
Michael prefere fazer editoriais de revista, pela liberdade que lhe dão, mas não esconde o fascínio por estas mulheres. «São as melhores naquilo que fazem e eu estou próximo dessa excelência. O meu trabalho é algo tão privado. Estás num quarto com esta mulher, não há lá mais ninguém, só elas com uma t-shirt. Fazes-lhes o cabelo, alguém vem e faz a maquilhagem, elas põem um vestido e de repente são a Mariah Carey. É impressionante ver isso acontecer à tua frente e sentir que fazes parte daquela imagem. É quase transcendente.»