O início do ano letivo mistura várias sensações para os mais novos – de um lado o entusiasmo para estrear a mochila, voltar à sala de aula e rever os amigos, do outro a ansiedade das noites anteriores e das manhãs complicadas, quando sofrem por antecipação porque vão para a escola ou para a creche. O estudo e os exames são apenas uma pequena parte desta questão.
Regressar à escola representa o reencontro com os colegas e com um estilo de vida em que a maioria das crianças se sente bem. Porém, após o início das aulas, algumas, mesmo as que andavam animadas nos últimos dias, começam a demorar mais tempo do que o habitual para sair da cama, fazem birras, queixam-se de dores de barriga ou de cabeça, não querem tomar o pequeno-almoço, fazem uma fita para se vestir e às vezes não querem sair do carro. Afinal, qual é o pai ou mãe, com filhos em idade escolar, que nunca os ouviu dizer, logo pela manhã, que não querem ir à escola?
Este comportamento deve-se, por um lado, ao receio de não cumprir as expetativas e, por outro, ao abandono do ritmo das férias, defende a pediatra Mónica Pinto. «Se é verdade que alguns miúdos até gostam de voltar para rever alguns amigos, a realidade é que a escola em si, o ter aulas, ter trabalhos de casa, ter um ritmo diferente, nunca é tão agradável como as férias.»
Em época de descanso, as rotinas alteram-se e os pais são mais permissivos. Deixam de ter tantas regras, a hora para a cama é adiada e a maior parte do tempo é passada nas brincadeiras. Por isso, quando chega a altura de voltar à rotina antiga, é natural que o cenário se complique. Sandra Helena, psicóloga infantojuvenil, também considera que o desfasamento no ritmo que existe entre as férias e a rotina escolar é a principal razão pela qual as crianças, mesmo as que estão muito entusiasmadas com o regresso à escola, manifestam alguma ansiedade e dose de rejeição no arranque de um novo ano letivo. «Com o início das aulas vem o período de regras, de disciplina, do estar mais tempo quieto, do estar com um adulto – o professor ou educador – que ainda não se conhece. Tudo aquilo que não existia nas férias.» Por isso, se as crianças andam tristonhas nos primeiros dias ou chegam a casa irritadas e conflituosas, há que ter um pouco de paciência. Provavelmente, estão só a reagir ao regresso aos horários e às regras depois da vida livre do verão. Estas costumam ser «situações simples de resolver, que passam ao fim de algumas semanas, quando a criança se adapta e volta à rotina escolar», diz a psicóloga.
«Os miúdos tendem a mostrar a sua ansiedade durante os dias da semana e com mais frequência à hora do deitar e de manhã ao acordar. Podem queixar-se de mal-estar físico, dores de barriga, dor de cabeça, vómitos, dificuldade em dormir, pesadelos, entre outros sintomas», diz a pediatra Mónica Pinto. O problema coloca-se com mais frequência no primeiro ciclo, em situações de mudança de escola e nas transições de ciclo, mas pode surgir ao longo de todo o percurso escolar. Por isso, se os pedidos das crianças para não ir à escola se tornarem recorrentes e prolongados no tempo, é importante que não sejam desvalorizados. Além da rejeição das rotinas e da mudança de ritmo no quotidiano, há vários motivos que podem levar à recusa escolar. A ansiedade, as dificuldades de aprendizagem – que levam a que a criança possa sentir-se menos capaz, não correspondendo às expetativas dos adultos –, perturbações emocionais, como o divórcio dos pais ou morte na família, e o bullying são alguns problemas que podem evidenciar situações mais preocupantes. É fundamental que os pais estejam atentos e conversem com os filhos, tentando perceber o porquê desta recusa e se as queixas surgem com um padrão. Isto é, em determinados dias e em certas situações. «Já me surgiram no consultório várias crianças que se queixavam de dores de cabeça às terças e quintas-feiras porque era o dia de uma determinada disciplina», diz Mónica Pinto. «Nestes casos percebeu-se que os sintomas estavam associados a uma má relação com o professor em questão.»
Além disso, se as queixas se intensificarem ou permanecerem por mais de um mês, a situação pode tornar-se patológica e levar à fobia escolar. «Esta situação não pode ser confundida com a recusa simples, pois traz consequências sérias para as crianças e exige acompanhamento psicológico», diz a psicóloga Sandra Helena.
Sempre que considerarem necessário, os pais podem (devem) também agendar uma reunião com o professor ou com o diretor de turma. «As visitas que se fazem à escola são muito importantes não só para saber o que se passa em termos intelectuais e cognitivos com a criança, mas também em termos sociais», diz Sandra Helena. «Ou seja, para percebermos como é que ela se comporta no recreio e relaciona com os colegas.» Além disso, «conhecer os amigos de escola dos filhos pode ajudar os pais a perceber se houve alguma situação mais crítica ou algum problema que as crianças podem não querer contar», acrescenta Mónica Pinto.
Acima de tudo, deve investigar-se com paciência e sem recriminações. Só assim os pais podem perceber se a resistência no regresso às aulas é só vontade de prolongar as férias ou se esconde algum problema mais sério. De acordo com as especialistas, há regras claras que devem ser seguidas pelos adultos quando surge o pedido, muitas vezes disfarçado de queixa. Se por um lado não se devem menosprezar as queixas das crianças, por outro também não se deve ceder ao desejo de faltar à escola nem permitir que a situação se alongue, pois quanto mais dias os miúdos estiverem afastados da escola mais difícil será o seu regresso. «É essencial transmitir aos meninos que a escola é um sítio bom, agradável, onde vão aprender, partilhar experiências e fazer amigos», diz a pediatra.
Outro ponto importante por parte dos pais é evitar demonstrar a sua própria ansiedade nestas situações, procurando transmitir apoio emocional e segurança aos filhos, através de diálogos sustentados por uma postura firme e confiante. Quanto mais confiantes se mostrarem, mais seguros se sentirão os filhos, com a certeza de que não há nada a temer no regresso às aulas. «É muito importante que os pais sejam os primeiros a acreditar que as crianças vão ficar bem e lhes expliquem que existem outros meninos que também estão a viver aquela situação. Se os pais não transmitem segurança e confiança, é muito difícil que os filhos se sintam confiantes e seguros», diz Sandra Helena.
Para facilitar a adaptação dos mais novos e evitar a resistência em ir à escola, os pais devem preparar, sempre que possível, a entrada no novo ano letivo. Assim, uns dias antes do arranque das aulas, as crianças devem regressar gradualmente aos horários, hábitos e regras vividos no tempo de escola. Incluir as crianças na preparação do regresso às aulas através da compra dos materiais e da explicação das tarefas que terão, bem como do que vai acontecer, são outras formas eficazes de ajudar os mais novos a controlar a ansiedade. E se ocorrer uma mudança de escola, é importante que as crianças possam visitar o novo estabelecimento de ensino antes do início das aulas. Sandra Helena recomenda ainda que os pais «tirem um tempo para falar com os filhos e saber como correu o dia, o que gostaram mais de fazer na escola, o que é que aconteceu de menos bom. Pode ser um bom primeiro passo para evitar a ansiedade do dia seguinte.
CHECKLIST PARA OS PAIS
Esteja atento ao comportamento do seu filho e converse com a criança sobre a situação.
Crie expetativas positivas face à escola, explicando que se trata de um local seguro e agradável onde a criança pode fazer aprendizagens e criar amizades.
Fale com o professor, de forma a perceber o que se passa e como poderão ultrapassar o problema juntos.
Não ceda ao pedido do seu filho para ficar em casa, mas não desvalorize demasiado as queixas – pode haver alguma situação que a criança está a ter dificuldade em verbalizar.
Procure responder de forma adequada, mostrando-se seguro e firme na sua explicação, pois a criança está muito atenta à ansiedade dos pais.