
Fora de Angola, é conhecida como a estilista que veste a primeira-dama, Ana Paula dos Santos. Mas a história de Nadir Tati, criminologista de formação, que viveu em sete países, fala fluentemente cinco línguas e que em março participou pela primeira vez na ModaLisboa, vai muito além das roupas que desenha.
É muito alta. O vestido comprido acetinado de padrão africano assenta-lhe na perfeição no 1,78 m. Está habituada a desenhar roupa para outras mulheres usarem, mas sabe o que lhe assenta bem. Sentada numa poltrona do Hotel Sana das Amoreiras (Lisboa), na véspera do seu primeiro desfile para a ModaLisboa (15 de março), o discurso é seguro. Nadir Tati é a nova coqueluche da moda angolana, a estilista mais internacional. Desde que a revista Forbes lhe traçou o perfil e falou nos seus «vestidos de dez mil dólares», ganhou projeção ainda maior. «Esses valores foram atingidos em leilões de beneficência», diz ela. Não é o preço normal das suas criações. Mas, na sua loja em Luanda, há vestidos de noiva a cinco mil dólares (cerca de 4600 euros).
«Desde os 4 anos que desenho», diz a mulher alta, agora com 40 anos. A culpa é capaz de ser da mãe, que confecionava a roupa da única menina entre cinco irmãos, e que é uma referência importante para a estilista. De Luanda, onde nasceu e viveu até aos 18 anos, Nadir tem memórias, mas poucas são da guerra civil. Recorda «a sensação de incerteza. De ouvir barulhos e não saber o que poderia acontecer». O conflito, que terminou em 2002, não lhe marcou a infância. Mais rapidamente a formou o hábito dos pais de viajarem, mesmo com pouco. O pai era diretor de uma empresa de informática, a mãe secretária na Petrolífera Total. «Com pouco pode ir-se muito longe», diz. «Eu sou exemplo disso. Éramos cinco filhos e não havia muito dinheiro, mas os meus pais poupavam sempre para viajarmos. Dormíamos todos no mesmo quarto, mas íamos. Vivíamos perto do aeroporto. Eu conhecia todos os aviões, todos os destinos… Se eram “x” de manhã, eu sabia: “Está a levantar o 747 para não sei onde”.» Este foi o gérmen da futura cidadã do mundo. Que se define do seguinte modo: «Olho sempre para as coisas pelo lado positivo. Não sei se isso faz de mim uma pessoa simples ou complicada.»
Foi a sementinha nómada de Nadir que a levou a viver em sete países e a falar fluentemente cinco línguas (inglês, francês, alemão, português e espanhol). Aos 18 anos, rumou à África do Sul, onde viveu os tempos de pré-libertação de Mandela. Trabalhou como manequim durante cinco anos e foi aí que fez uma escolha improvável para curso superior: criminologia. Especializou-se em tráfico e abuso sexual de menores. Depois, ingressou numa pós-graduação na Alemanha, onde também viveu. Passou pelos EUA e Reino Unido, assentou arraiais outros três anos em Cascais. Trabalhava no tribunal de instrução criminal, com reclusos. «A minha especialidade era explicar por que é que alguém cometia um crime», conta. Ia muitas vezes de fato, mas adornada com o seu turbante africano. A ex-manequim sabia que dava nas vistas. Gosta disso. «Gosto de chamar a atenção, de me sentir diferente, de contar a minha história.» Depois de Portugal, viveu outros três anos no México, onde concluiu o mestrado em exploração sexual e comercial de menores, e outro em design de moda. Só então decidiu regressar a Luanda. A moda esteve sempre lá em pano de fundo, assegura.
Quando regressou ao país natal, em 2001, onde vive com o marido e os dois filhos, percebeu que queria mesmo investir nessa faceta adormecida. «Toda a minha vida foi acontecendo, sem grandes planos. Sempre agarrei, mesmo sem querer, as oportunidades, os encontros que fui tendo.» Em Angola, «percebi que era importante definir posições e reforçar a área da moda.» E é implacável na forma como assume o posicionamento que quer ter: «Não entrei na moda para seguir outros criadores, mas para marcar a minha linha.» E para serem os outros a segui-la, entenda-se. E a reconhecer-lhe o talento. Foi o que aconteceu com a empresa de tecidos com a qual mais trabalha, na Holanda (como há apenas uma fábrica de têxteis em Angola, a estilista tem de importar os tecidos para as suas criações). Foi através deles que lhe chegou o pedido para uma das suas coroas de glória: vestir uma atriz que entrou num filme nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (Rebelle, War Witch). Em 2013, a congolesa Rachel Mwanza envergava uma criação Nadir Tati na passadeira vermelha mais badalada do globo. O vestido ostentava as cores que contavam a história da jovem de 15 anos: o vermelho sangue e o preto e o amarelo de África. A moda também pode conter (e contar) histórias (História).
Se tivesse de definir a assinatura «Nadir Tati», ela diria: «África. Mulher. Glamour. E sofisticação.» Um dos segredos do sucesso da criadora (e que a faz ter «os principais clientes de Angola»), segundo a própria, é a exclusividade. Não há duas peças «Nadir Tati» iguais. Por isso, o seu processo criativo assume a maior das importâncias. «Acordo sempre às quatro da manhã. É a única altura que tenho para criar, para pensar como será a minha próxima coleção.» Desenha todos os dias. E inspira-se nos países onde viveu. Nas suas próprias vivências. «Na passerelle conto a minha história em cinco ou dez minutos.» Foi o que tentou fazer quando trouxe a sua coleção à ModaLisboa. Chamou-lhe «Liberdade», a pensar nos quarenta anos de independência de Angola e nos seus próprios 40 anos. Depois do desfile, disse-nos: «Foi excelente, foi exatamente aquilo que programei. Não havia um lugar vago na sala e fui aplaudida de pé. Senti um grande carinho por parte de Portugal.»
A estilista tem uma visão global da moda. Convidada no ano passado para integrar a segunda edição do Lisbon Black Fashion Week (iniciativa criada pela estilista senegalesa Adama Paris em 2010, para tentar afirmar a moda africana e combater o racismo nas passerelles), Nadir declinou educadamente. «Não sou defensora de Black Fashion Weeks», confessa. «Eu trabalho para o mundo, não para alguns. Além disso, não há “White Fashion Weeks…”». A terceira edição do certame, agendada para 11 a 18 de abril, terá decorrido, no Hotel Fonte Cruz, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Dedicado ao tema “Madiba”, contou com 13 criadores de países africanos.
Nadir gosta de desafios. E de enfrentá-los, com os olhos postos no futuro. Nos próximos meses, vai abrir um showroom em Portugal, provavelmente em Cascais, e outro em Joanesburgo, na África do Sul. Na última década, tem também sabido responder da melhor forma a um outro desafio: o de vestir Ana Paula dos Santos, mulher do presidente José Eduardo dos Santos, uma das suas clientes mais notórias e que lhe trouxeram maior visibilidade. A estilista sente-se honrada em ser a escolha da primeira-dama, mas não faz alarde dessa relação – «que já é de amizade». «Ela é uma mulher virada para o mundo, moderna, que sabe de moda, que conhece o corpo que tem, que faz exercício físico. E que, apesar de ser primeira-dama, é uma mulher como nós, com emoções. Uma mulher com beleza interior.» Em comum partilham o gosto pelas crianças – e têm projetos de solidariedade social que refletem isso mesmo. Nadir trabalha com vários orfanatos e quer que a futura fundação com o seu nome, cuja criação está em curso, se dedique à luta contra a exploração comercial e sexual de crianças, «que Luanda, como qualquer outra capital do mundo, também tem».
Questionada sobre o sistema político do seu país, a governação de Eduardo dos Santos e a sua eventual sucessão, a estilista demonstra alguma impaciência. Garante que acredita no futuro de Angola e não percebe a causa de tanta preocupação por parte da comunidade internacional. Falamos de direitos humanos, mas ela prefere falar de recursos – o país tem muitos para lá do petróleo, e Angola começa agora a investir nos seus principais ativos: as pessoas. «É preciso investir nas pessoas. Os angolanos precisam de ser educados. Mas já há milhares de mulheres nas universidades…» E é também a pensar nesta geração que ela cria.