
dedicado a Peter Fischli/David Weiss
1.
Nada de fantástico, mas sim: o sol tem efeito nas máquinas. Durante a primavera e o verão (a temperaturas médias) roldanas aceleram o seu modo próprio de existência como se o calor e um certo bem-estar da natureza fossem propícios à exactidão.
A máquina funciona melhor a temperaturas médias e tal, claro, não é (não pode ser) apenas um aspecto técnico.
2.
Mas nenhum poema pode ser feito quando o sol cai a pique sobre a cabeça cansada de um homem.
O sol excessivo interfere na mobilização das ideias, faz uma barreira – como um muro vindo de fora que rapidamente se coloca numa posição privilegiada, impedindo a habitual circulação de murmúrios inspirados (dentro da cabeça).
3.
E um poema estraga a máquina por dentro – como se fosse poeira. A máquina fica apenas com lado esquerdo, inundada por uma deficiência. Se um dia tivesse sido capaz de andar, agora seria coxa, agora, ultrapassada por todos.
4.
Certas coisas não sangram apenas para não incomodar as taxinomias. As máquinas são um exemplo.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
[Publicado originalmente na edição de 11 de janeiro de 2015]