Já não é um mundo de homens. Mas continua a ser difícil para muitas mulheres provar o mérito profissional em comparação com os pares do sexo oposto. Os progressos na legislação são positivos, mas na cultura das empresas e nas mentalidades ainda há muito por fazer. Sete mulheres de sucesso – algumas a equilibrar a vida profissional e familiar – explicam como conseguiram.
Atitude e resiliência
Helena Amante ainda não pensa na maternidade. Por enquanto tem tempo e quer dedicá-lo a cem por cento ao outro «filho»: a marca de calçado Shoes Closet, que criou há dois anos com o irmão, Miguel. Os sapatos já se comercializam nos Estados Unidos e Japão, mas o objetivo é consolidar a internacionalização da marca, por isso está disposta a dedicar-se de corpo e alma à empresa nos próximos seis anos. «Viajo todas as semanas, enquanto estou a criar uma nova coleção quase não durmo, pelo que os filhos têm de esperar.»
Helena passa metade do tempo na loja em Lisboa, e a outra metade em São João da Madeira, onde são fabricados de forma artesanal os sapatos. Ainda não fez 30 anos, mas já tem uma maturidade, capacidade de sacrifício e de trabalho notáveis. Tem noção de que isto é uma vantagem porque tem tempo pela frente, mas também encontrou dificuldades por ser tão jovem. «Às vezes não te levam a sério, sobretudo em alguns países como o Japão, onde estão mais habituados a negociar com homens do que com mulheres.»
Mas ela não desiste. É uma mulher que usa sapato de salto alto e sabe pisar forte. «É preciso chatear mais e ser o mais profissional possível.» Ela soube interpretar este papel, mas, ao conhecê-la melhor, descobrimos uma mulher inteligente e descontraída. Como os seus sapatos, que são a sua essência, pois ela não para enquanto não encontrar «o par perfeito». Neta de sapateiro alentejano, fiel às raízes e tradições, aposta também na modernidade do design. E para isso faz falta, diz, uma grande resiliência. «Persistir, não desistir e resistir à frustração.»
Pensar como pessoa não como mulher
Se, ao longo da carreira, Maura Marvão encontrou homens «machistas», ela diz que não reparou. Acha-se «tão positiva» que até se esquece das dificuldades. Aos 44 anos, esta art adviser vive entre o Porto, a cidade natal, Londres e Nova Iorque, onde estão as sedes da empresa para a qual trabalha, a Phillips, a terceira maior leiloeira do mundo. Maura representa Portugal. Estudou Direito no Porto mas especializou-se em arte, a sua grande paixão, na Universidade de Nova Iorque, onde começou a trabalhar no New Museum of Contemporary Art. «É esgotante, mas ao mesmo tempo gratificante», diz esta mãe de duas filhas pequenas.
O marido também viaja muito, mas tentam não o fazer ao mesmo tempo para um dos dois ficar com as crianças. «Com filhos é mais difícil, mas não impossível.» Ela consegue porque é «muito organizada e com uma logística familiar bem montada». Além disso, conta com o apoio do marido, fundamental «para que a mulher consiga realizar-se profissionalmente». E sem sentimento de culpa. «Se as minhas filhas tiverem uma mãe realizada e feliz, que lhes fala de temas interessantes, que as leva a exposições que despertam a curiosidade e criatividade, que lhes proporciona convívio com pessoas ricas culturalmente, isso só pode ser bom para elas.» Aprendeu na sua família, onde a ensinaram a ser pessoa, além de mulher. «Caminhamos para uma maior igualdade, onde não é tanto uma questão de homem ou mulher, mas sim de pessoas.»
Imaginação para resolver as dificuldades
Filha de mãe espanhola e pai boliviano, Beatriz Rubio tem 49 anos, é casada e tem três filhos. CEO da Remax, a imobiliária líder do mercado em Portugal, começou com apenas uma loja. Hoje têm mais de duzentas e três mil funcionários. Nunca disse não aos desafios profissionais, nem quando as filhas eram pequenas e reclamavam energia e tempo. Tinham um ano e meio e seis meses quando lhe ofereceram um cargo de direção numa empresa em Braga. Queria aceitar mas não queria afastar-se das pequenas. «À segunda-feira, às cinco da manhã, levava-as comigo de Lisboa.» Como as bombas de gasolina estavam fechadas a essa hora, pediu para lhe instalarem um micro-ondas no carro para aquecer biberões.
Uma vez, enquanto experimentava umas calças numa loja de roupa, percebeu que estava cheia porque havia saldos. Decidiu fazer o mesmo na imobiliária. «Cheguei ao escritório e pensaram que tinha ficado maluca.» Mas avançou e, em plena crise, consegui, com a «ideia maluca», aumentar as vendas de casas.
A sua criatividade não tem limites, por isso gosta de continuar a procurar desafios. «Aborrece-me estar na zona de conforto.» Por isso, há dois anos, montou uma nova empresa: Motiva-te. Além das ações pagas, Beatriz motiva de forma gratuita. Numa dessas iniciativas, organizada pela plataforma Womenwinwin, colocou-se perante uma plateia de mulheres com sonhos, ideias e objetivos diferentes mas com um ponto em comum: a vontade de «dar um passo em frente». Para a Beatriz, tudo começa com esse passo. «A mulher é muito determinada mas custa-lhe passar à ação.»
Não desistir dos sonhos
Se fosse homem, teria tido outro sucesso». Maria João Bahia, 52 anos, três filhos, diz que «ser mãe e esposa» está na sua essência. E que «teria tido um grande desgosto» se assim não fosse. Mas também não tem problemas em reconhecer que por ser mulher «teve de trabalhar mais para chegar onde cheguei».
Joalheira conceituada, criadora de troféus importantes, como os famosos Globos De Ouro, com um atelier e loja na Avenida da Liberdade, em Lisboa (um sonho de infância que nunca pensou que conseguiria concretizar), Maria João é uma mulher elegante. Vê-se pela forma de vestir e pelas joias que cria e usa. Mas também é humilde e não tem problemas em abrir a porta sem tirar a bata de trabalho. O sorriso espontâneo mostra que é realizada, mas reconhece que, por ser mulher e mãe, várias vezes teve de deixar o trabalho para atrás. «O tempo não é ilimitado e tinha responsabilidades familiares que nunca descuidei.»
Mas também não quis renunciar aos sonhos, por isso encontrou forma de compatibilizar a vida familiar e profissional. «Montei um berço no atelier e assim podia trabalhar e tomar conta dos meus filhos ao mesmo tempo.» E quando tinha reuniões e não tinha onde os deixar, levava-os. «É preciso centrar-se em conseguir o que se pretende e não desistir perante as dificuldades.» Ela nunca o fez. Nem quando era solteira e, muito jovem, começou a desenhar joias num pequeno atelier no centro da capital, quase sem dinheiro para começar o negócio. Mas, para ela, o verdadeiro sucesso não é ganhar muito dinheiro mas sim «conseguir fazer realidade os sonhos de outras pessoas, através das joias». «Isso é o que me faz feliz.»
O sucesso está no equilíbrio
Sandra Correia, administradora da empresa de cortiça algarvia Pelcor, tem 43 anos e já foi considerada a melhor empresária europeia do ano, em 2011. Herdou do pai o negócio e o gosto por uma matéria-prima onde Portugal dá cartas, num mundo tradicionalmente masculino. Mas ela soube ganhar espaço. A isto, acrescentou a capacidade de inovação e adaptou a indústria da cortiça ao mundo da moda. Vende malas, chapéus-de-chuva ou capas para tablets. Os produtos combinam qualidade e design, mas o sucesso pessoal, garante, está em encontrar a felicidade. «Temos de ser felizes, connosco e com os outros, fazer o que gostamos e ter uma vida familiar, espiritual e laboral equilibrada.» Este equilíbrio reflete-se no trabalho. «Projetamos na sociedade o nosso equilíbrio e a sociedade retribuí-nos com o sucesso.»
Não é uma questão de ganhar mais ou menos dinheiro mas sim de «atingir objetivos pessoais». Ela conseguiu-o e quer ajudar outras pessoas a fazê-lo. Por isso, criou o grupo A New Beggining for Portugal para que as pessoas possam partilhar o sonho e se ajudem mutuamente. A empresária acredita que o principal problema do país é a desmotivação, por causa da crise, mas «isso não pode ser um pretexto para não fazermos nada». Ela decidiu não ficar de braços cruzados. «É necessário que a energia flua.» Por isso insiste tanto no equilíbrio familiar e laboral. No seu caso, a maternidade é o assunto pendente, mas não está descartada e pensa adotar uma criança.
Inovar e reinventar-se
Depois de 15 anos a dirigir a empresa de marketing One to One, o desafio agora é «reinventá-la, adaptar-se às novas necessidades do mercado», diz Ana Beirão. O negócio está consolidado, mas é sempre preciso fazer mais. Porque o sucesso não é de quem tenta, mas de quem tenta mais vezes. Ana sabe isso muito bem. Quando estava prestes a fazer 40 anos, apercebeu-se de que a partir dessa idade «as pessoas começavam a ser descartáveis no mercado de trabalho». Por isso, antecipou-se a um possível destino de despedimento e saiu da empresa onde trabalhava para ser empreendedora. Desde então, o objetivo fundamental é sempre o de estar um passo à frente. Hoje, com 54 anos, com dois filhos na casa dos 20, está a transformar o marketing convencional em marketing de clientes e está a ter sucesso – mais difícil no caso de uma mulher. «Os homens funcionam em lobby. Os negócios são feitos por eles e até o mundo está feito por eles e para eles. Felizmente as coisas já estão a mudar.»
Mas, para isso, a mulher tem de perder o medo e arriscar. «Acreditar que é empreendedora», uma coisa inerente a muitas mulheres. Até quando estão em casa. «Estamos a inovar e a empreender sempre, até quando decidimos o que vai ser o almoço ou o jantar no dia seguinte.» Ela sabe o que isso é, porque criou o negócio e os filhos ao mesmo tempo. E tem noção de que esta dedicação laboral tirou-lhe «horas para estar com eles». Para não se sentir culpada, tentou que o tempo disponível «fosse tempo de qualidade».
Acabar com a culpa
Uma das principais razões que faz que uma mulher não seja empreendedora é o sentimento de culpa – o que a faz desistir da vida profissional depois de ser mãe. Foi isso que constatou a espanhola Maria José Amich, fundadora da plataforma Womenwinwin, conecting women and bussiness. «Ficar grávida é um travão na carreira de uma mulher e depois é muito difícil voltar ao mercado laboral, pelo que muitas vezes fica o talento da mulher completamente desaproveitado.» Mãe de três filhos, Maria José sabe do que fala. Por isso decidiu criar uma plataforma que ajudasse as mulheres a ser empreendedoras. Os números falam por si: até 2020, mil milhões de mulheres contribuirão de alguma maneira para a economia mundial e 870 mil mulheres incorporar-se-ão ao mercado de trabalho nos próximos cinco anos. Destas, quase 250 mil mulheres serão donas da sua própria empresa, segundo dados do centro para a liderança feminina Babson College. Em Portugal, as dificuldades económicas e a falta de emprego fazem que seja ainda mais urgente que as mulheres se transformem em empreendedoras e assumam o risco de criar o seu próprio negócio, que muitas vezes é um autoemprego.
«É preciso mudar as mentalidades», diz a empresária. «Nós, mulheres, ambicionamos menos. Falta-nos networking e também nos faltam modelos de referência com que nos identificarmos.» Por isso criou a Womenwinwin, que funciona como «fonte de inspiração e partilha» em que as mulheres encontram ferramentas para conceber um plano de negócios ou para expandir a sua empresa.