
Joana Vicente é diretora da maior e mais antiga organização sem fins lucrativos dedicada ao cinema independente nos Estados Unidos. No país de Hollywood, quem quer fazer um filme fora dos grandes estúdios fala com esta portuguesa. Nesta semana estará em Lisboa para falar da sua história de sucesso – e inspirar jovens cineastas e empreendedores.
Nasceu em Macau, passou por Moçambique, viveu em Portugal, mudou-se para Paris, trabalhou em Bruxelas e Estrasburgo e agora sente-se americana. «Nova-iorquina», corrige. «É aqui que me sinto home.» Joana Vicente vive em Tribeca, Manhattan, e trabalha em Brooklyn. Está na cidade há quase 25 anos, o marido é americano, os dois filhos também e ela tem dupla nacionalidade. Em Portugal, tem amigos e família e visita o país uma vez por ano. «Não tanto quanto gostaria.»
Joana tem 52 anos. Na primeira metade da vida, passou pelo curso de Filosofia na Universidade Católica, em Lisboa, e deu os primeiros passos na produção de cinema como assistente do realizador António-Pedro Vasconcelos e do produtor Paulo Branco. E foi ainda assistente de Maria de Lourdes Pintasilgo no Parlamento Europeu. Nos vinte seguintes, com o marido, Jason Kliot – que conheceu em Portugal quando este veio trabalhar com o realizador Samuel Fuller –, criou três empresas, produziu 46 filmes, alguns de realizadores como Steven Soderbergh ou Brian de Palma, ganhou prémios no Festival Sundance (um do maiores eventos do cinema independente nos EUA), e teve um documentário nomeado para os Óscares: Enron, The Smartest Guys in the Room (2005).
Nos últimos anos, Joana saltou para outra escala: no Independent FilmMaker Project (IFP), que dirige desde 2009, apoia anualmente cerca de 350 filmmakers (entre escritores, realizadores e produtores). Além disso, já ajudou cerca de 150 start-ups e empreendedores. Este é um dos projetos de que mais se orgulha: a conceção, vitória no concurso público e implementação do Made in NY – Media Center, um espaço de coworking e incubadora de empresas, dedicado às áreas de storytelling, media e tecnologia. «Estávamos a competir no meio de organizações muito maiores, éramos o underdog [pessoa ou grupo que se espera que perca], mas ganhámos com uma superproposta.»
Joana já se habituou ao american dream. Na terra das oportunidades, «a pergunta é sempre: quem é a pessoa mais qualificada para este trabalho? Em questões de género, já o caso não é o mesmo e a indústria cinematográfica é das piores: em Hollywood, o número de mulheres em cargos de poder ronda os cinco por cento. Durante os primeiros anos em que trabalhou com o marido, também produtor e consultor, «era impressionante: nas reuniões, as pessoas falavam com o Jason como se eu não existisse». Mas ela provou do que era capaz. Em 2013, integrou a Women’s Impact List da revista Variety, a New Guard Power List da Marie Claire e, recentemente, a lista das cem pessoas mais influentes em Brooklyn, da Brooklyn Magazine.
O mercado indie não é para quem desanime facilmente: de todos os filmes independentes que são feitos, 95 por cento nunca chegam a uma sala de cinema. «Só a festivais são submetidos, todos os anos, cerca de cinco mil. Desses, apenas 150 entram e, dos que entram, só metade, com sorte, têm distribuição.» Os créditos que tem para apresentar não deixam grandes dúvidas: dos 46 filmes em que esteve envolvida, como produtora principal ou produtora-executiva, apenas dois não foram distribuídos.
Mas as coisas nunca foram fáceis. No final da década de 1990, um financiador decidiu adiar as gravações do único filme em que estava a trabalhar na Open City, a primeira produtora que criou com o marido, depois de ambos se despedirem dos respetivos empregos. Ficaram oito meses sem trabalho. Ela achou que era uma oportunidade para controlar melhor o destino. E teve uma ideia: percebeu que, com câmaras digitais, podia fazer filmes mais baratos, ter equipas mais pequenas, dar mais flexibilidade aos realizadores e estar menos dependente de patrocinadores. «Foi assim que começámos a primeira empresa de produção digital nos Estados Unidos, a Blow Up Pictures, um conceito que acabámos por vender a Mark Cuban [empresário e investidor, conhecido pela participação no programa Shark Tank].» Atualmente, Joana, o marido e Cuban são sócios da HDNet Films.
A entrada para o IFP é uma prova do seu talento. Estava no conselho de administração da organização desde 2005 e, em 2009, em plena crise económica, o organismo estava com um claro problema financeiro para resolver. Estavam à procura de uma pessoa para dirigir a organização e, quando não a encontraram no mercado de trabalho, começaram a olhar uns para os outros. «Fiquei eu. Pensei: vou tentar pôr a casa em ordem, perceber se é possível tornar a organização sustentável. Faço isso durante um ano, enquanto procuramos outra pessoa, e depois volto a produzir. Fui ficando. Hoje, o nosso orçamento operacional é mais do dobro do que era quando assumi a direcção.»
No dia em que falámos com Joana, pelas 16h30 em Nova Iorque, já tinha conversado com dois patrocinadores, trocado ideias com a diretora-executiva do Festival Sundance em busca de novas áreas de colaboração, tinha feito uma entrevista de recrutamento, trabalhado na preparação de uma apresentação ao conselho de administração daí a uns dias, e feito duas avaliações de desempenho de colaboradores para preparar o orçamento para o próximo ano fiscal. «Para perceber a necessidade de reajustes de valor de vencimento, há pessoas que devem ser compensadas pelo seu bom trabalho e substituições a considerar se o trabalho não corresponde ao esperado.» A meritocracia outra vez. «Grande parte do meu trabalho é fundraising, angariação de fundos», diz, a misturar português e inglês. «Aqui não há apoios estatais para o cinema, cada novo projeto é como se fosse uma nova start-up. Sinto saudades de produzir, mas não deixo de ter contacto com o lado mais criativo.»
Não tem a certeza de como imagina o futuro, talvez passe por outra organização semelhante, talvez passe por voltar à produção, talvez não seja nenhuma das duas coisas. Um desafio de cada vez.
EXEMPLOS DE SUCESSO
Joana Vicente estará em Lisboa no dia 9 de abril, no âmbito das tertúlias Portugueses +, uma iniciativa da APAN e da IM Magazine, que irá trazer a Portugal oito emigrantes que se destacaram nas suas áreas profissionais, em vários países do mundo, para partilhar as suas histórias de sucesso. Joana é a primeira de uma lista de que fazem parte nomes como João Magueijo ou Mariana van Zeller. Calendário, informações e inscrições em portuguesesmais.com.