Uma história de um mundo a mudar

Notícias Magazine

O Uber – o serviço de boleias pagas ou táxis informais – vai chegar ao Porto na terça-feira. Lisboa já é uma das 250 cidades com o serviço, operado através da internet e com uma aplicação de telemóvel. Para quem não sabe, os pedidos de transporte são feitos no telefone, que regista o local onde está o cliente e coloca um motorista ligado à rede a ir buscá-lo. Em Lisboa funcionava o Uber Black – motoristas de fato e carro escuro, mais caro. Agora, ambas as cidades vão ter o Uber X, mais informal.

Revolucionário? Talvez um pouco menos do que isso. No fundo, no fundo, todas as grandes revoluções se fazem das coisas mais óbvias, dos ovos de Colombo que representam e de que nin­guém se tinha lembrado até esse momento tcharam. Lembrem–se da aplicação das rodinhas nas malas de viagem. Neste caso foi a ligação de dois conceitos: transformar o prático serviço de táxis chamados por telefone numa ainda mais prática aplicação de te­lemóvel, e acrescentar a isso as vantagens de uma rede.

Esta parte, a do fim das burocracias, é o que está tanto a mu­dar como a assustar o mundo como o conhecemos. Os taxistas do Porto já estão de sobreaviso, como estiveram os de Lisboa. Em Portugal, a empresa, a Uber, garante que todos os motoris­tas são certificados e até licenciados. Mas a verdade é que a úni­ca vantagem competitiva deste serviço é a sua informalidade – é o que acontece, por exemplo, em Los Angeles, como contava o Dinheiro Vivo nesta semana. O serviço Uber é feito por qualquer pessoa que seja aceite pela empresa como motorista, sem gran­des certificações, o que significa que, numa cidade que acolhe rapidamente as novidades, se tornou o standard de transporte de pessoas. Já ninguém diz: vou chamar um táxi, anuncia que vem aí o seu Uber buscá-lo.

É uma espécie de tornar real, de carne e osso, ou antes de la­ta e pneus, as vantagens de uma rede social. O fim das barreiras, das burocracias, dos monopólios, e o tremer dos interesses instalados. De facto, pensando bem, não haveria outras palavras que melhor descrevessem uma revolução. E, como tal, a chegada da Uber está longe de ser pacífica. Depois do espanto inicial, começaram as for­ças sociais a mover-se. Em Espanha a proibição, sem direito a re­curso, deveu-se ao facto de os condutores contratados pela empre­sa norte-americana não terem autorização para o serviço. A concor­rência desleal esteve na origem da proibição que os tribunais franceses decidiram, para vigorar a partir de 1 de janeiro próximo. O próprio primeiro-ministro veio dizer que «não pode vigorar a lei da selva». Na Alemanha, um tribunal de Frankfurt deu ordem de suspensão do serviço, porque os serviços da Uber não são prestados em conformidade com a legislação alemã. O caso está em recurso.

Também nesta semana, houve o anúncio de que a TAP fizera um acordo com a Uber, dando aos passageiros descontos nas deslocações de e para o aeroporto de Lisboa. Os taxistas do ae­roporto criticaram e prometeram «tomar medidas». A TAP tocou num ponto frágil, como bem sabe quem já passou pelo inferno so­cial de apanhar um táxi nas chegadas do aeroporto – más caras e má-criação, trajetos prolongados, etc. Eu sou uma das refugiadas que apanham o táxi nas partidas, para evitar tudo isso. Neste ca­so, tomar medidas, por parte dos taxistas das chegadas do aero­porto, só pode ser uma coisa positiva, mesmo que seja uma greve por tempo indeterminado. O mundo está a mudar, e até eles, os ta­xistas, já perceberam.

[Publicado originalmente na edição de 21 de dezembro de 2014]