Acabou mal a história da primeira treinadora mulher de uma equipa de homens. Ainda por cima portuguesa. Helena Costa foi treinar o Clermont Foot 63 no início de maio. Teria sido contratada, disse o clube da segunda divisão francesa, para lhe dar notoriedade internacional. Os fins não justificam os meios, já se sabe. Mas, neste caso, o meio poderia justificar o fim que seria o de abrir uma brecha num mundo esmagadoramente masculino.
Helena Costa já tinha experiência disso, de abrir brechas, de confrontar e dar poder à metade (?) feminina da humanidade. Fê-lo onde era mais perigoso fazê-lo: no Irão. Treinou a equipa de futebol feminino. E nessa posição esteve muitas vezes entre a espada – talvez fosse melhor dizer o sabre – e a parede. Era criticada internamente por pôr mulheres a jogar futebol. Esteve com a vida em risco. Externamente, viu-se entre dois mundos e culturas incompatíveis: a dos ideais olímpicos e a islâmica, quando a equipa do Irão acabou por ser banida dos Jogos Olímpicos de Londres por insistir em usar hijabs e foi obrigada a fazer testes genéticos para provar que eram mulheres que estavam debaixo dos véus.
Depois de ter treinado a equipa feminina do Qatar, e de dois anos nestas condições difíceis, Helena deve ter visto como um alívio o convite do civilizado Clermont. Um upgrade na sua condição de treinadora, e, além disso, algo que a fazia ascender à condição de estrela do futebol mundial, digna dos anais históricos que daqui a uns anos a nomeariam como a primeira mulher à frente de uma equipa profissional de homens.
Mas, como predizia o crítico de futebol do inglês The Telegraph Oliver Brown, foi como «se saltasse da frigideira para o fogo, embora nestes assuntos de género qualquer metáfora envolvendo utensílios domésticos seja de evitar». O que havia para correr mal, tudo o que daria razão aos velhos do Restelo – essa terra que Portugal globalizou – haveria de correr mal. E correu. E Helena Costa acabou por retirar-se, esta semana. Retirar-se é uma forma de expressão. Na verdade, foi mesmo uma saída batendo com a porta.
A treinadora disse primeiro que não ia falar – num gesto que era bastante mais consentâneo com o mundo do futebol, em que estamos mais habituados a silêncios do que a verdades difíceis. Pequeno parênteses: ainda na semana passada tivemos prova disso, quando todos ficámos muito chocados com as explicações duras de Cristiano Ronaldo para o nosso desaire no Mundial, quando, para todos nós, era mais que óbvio o que disse, ainda que fosse no íntimo das nossas consciências.
Depois, Helena falou. E disse tudo, ao contrário do que é comum no futebol. Disse que foi posta em causa pelo clube, maltratada pelo presidente que a tinha contratado, passada para trás pelo diretor técnico, falou de ofensas que vão desde a marcação de jogos sem a avisarem até à contratação de jogadores para a equipa que iria dirigir sem que ela tivesse sequer dado opinião. Helena bateu com a porta desta forma estrondosa, e em comunicado, porque esteve um mês inteirinho a tentar reverter a situação, mandando e-mails, pedindo explicações. Nada. Quem a contratou devia estar a contar com a habitual contemporização que grassa no meio, ou não faria algo tão estúpido como contratar uma mulher para dar nas vistas e a seguir dar nas vistas, sim, mas por tratar mal essa mesma mulher. E Helena, que jogou e treinou nos lugares onde as mulheres nem sequer têm direito a mostrar a cara, acabou por ser mais ofendida em França, na pátria dos direitos humanos mas onde o futebol ainda tem muito por onde crescer e amadurecer.
Publicado originalmente na edição de 29 de junho de 2014