
«Quem é o Tó-Pê?», perguntou a educadora à minha mulher quando ela chegou ao infantário para ir buscar as miúdas. «Nós não conhecemos nenhum Tó-Pê. Há um tio Tó na família. E um Pedro. Mas não há nenhum Tó-Pê.» Tentar decifrar o que diz uma criança de 2 anos pode ser tarefa ingrata. Para nós e para a criança. Eles falam, esbracejam, apontam, gritam, às vezes desesperam, mas se não arranjamos maneira de os entender, a coisa fica complicada. Se acrescentarmos a isto a carga de nervos que é deixá-los pela primeira vez num local desconhecido, com pessoas desconhecidas, crianças desconhecidas, onde têm brinquedos desconhecidos e uma comida que, por mais saborosa e saudável que seja, terá sempre um ar desconhecido – e por isso suspeito –, estão reunidas as condições para uns dias de animada tensão parental.
Nesse capítulo, como em muitos outros, eu e a minha mulher não somos diferentes de muitos pais. Amanhã começará a terceira semana de infantário para as nossas duas filhas e, nos últimos dez dias úteis, não houve um único em que não divergíssemos de opinião em qualquer assunto relacionado com isso. Na maior parte das vezes partilhamos a cara de quem tem o coração do tamanho de um feijão, por elas ficarem a chorar no colo de pessoas que não conhecem. E consolamo-nos um ao outro, acabando a rir e a chamarmo-nos «piegas» e «lamechas». Mas outros dias, porque andamos mais tensos com isto, lá discutimos. Só algumas vezes o fizemos a valer, apenas um par de ocasiões ficámos com os nervos em franja e, que me lembre, apenas num dia levantámos a voz. Tudo normal, creio. Depois de ficarmos preocupados, ficamos irritados. Enervados. Com vontade de telefonar a cada meia hora, para saber se as meninas já comeram. Se já dormiram. Se têm interagido bem com as outras crianças. Se já fizeram cocó, xixi, quantas vezes beberam água, quantas vezes choraram, quantas vezes chamaram pelo pai, pela mãe ou pela tia.
A Madalena tem 8 meses. A Carolina, 2 anos. E embora por vezes seja difícil, a mais velha lá se vai fazendo perceber, se alguma coisa correr francamente mal. A angústia maior é com a mais nova. E, sim, sabemos bem que há quem tenha de os deixar no infantário com 4 meses. Sabemos que há algumas que demoram um ano inteiro a adaptar-se. Sabemos que há pais que não têm possibilidade de marcar férias para estes dias, como nós fizemos, para garantir que fazemos isto com poucas horas de cada vez. Sabemos que esta é uma fase e que depois desta outras virão – com filhos não há monotonia. E sabemos que toda a gente tem uma opinião sobre o tema, desde os profissionais – a diretora, a psicóloga, a assistente social, a educadora, a auxiliar – aos familiares – avós, tias, madrinhas –, passando pelos colegas e amigos. Mas isso que sabemos não alivia o sufoco e o nó no peito característico destes tempos, pois não? Nem as dúvidas sobre se estaremos a fazer tudo bem. Nem tão-pouco alivia a tensão entre nós.
Outra coisa que sabemos é que cada criança tem o seu ritmo. E o seu vocabulário. A minha filha mais velha fala «carolinês», uma língua que apenas nós entendemos. Naquele dia da semana passada, ao fim de alguns minutos, a mãe lá percebeu. E explicou que o Tó-Pê que a criança tinha chamado insistentemente ao longo do dia era apenas um pedido para a educadora andar com ela ao colo («tó»). Em pé («pê»). Agora parece simples. Mas na altura não. Ainda diremos o mesmo desta fase.
Publicado originalmente na edição de 14 de setembro de 2014