
São 6h50 da manhã. Estou a adiantar esta crónica o mais possível até as minhas filhas acordarem. Depois, acaba o trabalho ao computador e começa o trabalho doméstico. Bom, na verdade, já começou. Estou a pensar no que farei para o almoço. E nas compras para o jantar. Precisamos de fruta. E de peixe. E de guardanapos. E de outras coisas em que agora não quero pensar, porque tenho de me concentrar.
Enquanto penso no que tenho de escrever e na lista de tarefas para o dia, penso também no que vou fazer para entreter as miúdas ao longo das próximas horas. Quem disse que os homens não conseguem pensar em várias coisas ao mesmo tempo? Este, em particular, consegue ainda pensar que ao encaixar isto tudo na cabeça está também a contribuir para o sucesso profissional das cachopas – e a falar de si na terceira pessoa.
Que raio tem uma coisa que ver com a outra? Segundo um estudo da Universidade de British Columbia, no Canadá, tudo. A investigação, tornada pública através de um artigo publicado recentemente na revista Psychological Science, conclui que os pais (homens) que participam ativamente nas tarefas domesticas têm um papel essencial no desenvolvimento das aspirações profissionais das filhas. Ou seja, quanto mais eu fizer em casa, mais ambiciosas serão as minhas filhas. Estranho? Não tanto.
De acordo com os responsáveis pelo estudo, é aí que reside a chave do sucesso para a quebra de barreiras de género: nos meus exemplos, que elas verão à medida que crescerem. No fundo, é disso que trata este estudo: de tarefas de homens e de tarefas de mulheres. Trabalhos de meninos e trabalhos de meninas. A ambição profissional, neste estudo, focou-se num objetivo principal: o acesso a profissões e a cargos tradicionalmente desempenhados por homens. Os investigadores – que trabalharam com 326 crianças entre os 7 e os 13 anos e pelo menos com um dos progenitores – concluíram que a mãe é determinante nas atitudes dos filhos perante os clichés de género, mas que é sobretudo o pai – e o exemplo dele no desempenho de tarefas em casa – que mais poderá influenciar a forma como os mais pequenos verão o acesso a cargos e profissões no futuro. E isto é sobretudo pertinente para as raparigas.
«Pais que lavam a loiça criam filhas mais ambiciosas», é o título do artigo da agência Lusa (e da Time!) divulgado no final de maio. Teoricamente, a coisa faz sentido: para educar meninas responsáveis e fazê-las acreditar que o facto de serem mulheres não as deve limitar profissionalmente é preciso que elas vejam que em casa também não há papéis predefinidos em função do género. Mas na prática as coisas continuam desequilibradas. Em casa e no escritório. E isso, em vez de fazer deste estudo uma vulgaridade – claro que não há tarefas de homem e tarefas de mulher! –, faz deste estudo um sinal de alerta.
Por estes dias, durante um mês, estou em casa, de licença parental. Sou eu que faço a gestão de horários, de sestas, do frigorífico e de refeições. Sou eu que tenho o poder. E, apesar de saber que o que conta é o dia–a-dia, isso faz-me sentir bem. Apesar de as minhas filhas terem apenas cinco meses e 22 meses, e apesar de elas crescerem em tempos diferentes daqueles em que eu cresci, sinto que estou a contribuir indiretamente para fazer delas adultas ambiciosas. O que elas vão fazer com essa ambição, isso já são outros duzentos. Mas estamos cá para isso também.
Entretanto, são 17h50. Isto foi interrompido dezenas de vezes. Claro!
Publicado originalmente na edição de 22 de junho de 2014