Todas as quartas, ao fim da tarde, Maria de Fátima Gomes estaciona a carrinha branca em frente ao Museu Militar, junto à Estação de Santa Apolónia, em Lisboa. Com a ajuda de outros voluntários, tira a grande panela de 22 litros de sopa para o exterior e prepara as sandes e os cem pacotes de leite com chocolate. No outro veículo que costuma fazer esta ronda – que passa também pela Gare do Oriente – vem a roupa que distribuem aos sem-abrigo que costumam concentrar-se naquela zona da capital. A roupa interior é nova. Os kits de higiene também. As camisas, calças e casacos são usados e foram lavados, remendados e passados a ferro. «Estas pessoas não precisam apenas de roupa e de uma refeição quente», diz esta cabeleireira de 52 anos, que encontrou tempo para se dedicar a uma causa. «Precisam também de uma palavra. E retribuem. Não somos só nós que os ajudamos.» Maria de Fátima podia ser uma pessoa amarga. Ou triste. Ou perdida. A vida tirou-lhe o marido em fevereiro de 2009. Seis meses depois, levou-lhe uma das filhas. «Ajudar os outros foi a solução que encontrei.» Não preenche o vazio, mas ajuda. Em 2011 fez a primeira saída, com alguns voluntários do Centro Pastoral Claret, de Agualva-Cacém (Sintra). Duas semanas depois, reuniu ela um grupo. Eram dez, hoje são 44. «Cidadãos anónimos», como se intitulam. Não têm uma hierarquia, não pertencem a qualquer associação, IPSS ou ONG. Partilham tarefas, compram comida e bens de primeira necessidade, organizam escalas, pedem ajuda aos amigos. E recebem-na: de empresas locais, que cedem comida, da Associação Coração Amarelo, que deu uma das panelas, e da Igreja, que por vezes organiza peditórios para a causa. Tudo o resto é tirado do tempo deles. E da dedicação.